A fechar a ronda de debates a quatro nas televisões, Sebastião Bugalho (AD), Marta Temido (PS), Catarina Martins (BE) e Pedro Fidalgo Marques (PAN) mediram forças esta sexta-feira na antena da TVI/CNN. O aborto foi o tema quente da discussão, mas outros não faltaram: a começar pelo curto prazo para cumprir o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), pelo crescimento da extrema-direita, e pela corrupção no Velho Continente.
Mas o tiro de partida foi dado indiretamente por António Costa. Antes do início do debate, o semanário Expresso avançou com a informação de que o ex-primeiro-ministro já foi ouvido, na qualidade de “declarante”, pelo Ministério Público no âmbito da Operação Marquês. A questão que se coloca é: estará agora mais perto da presidência do Conselho Europeu?
“Para nós sempre foi o melhor candidato, esta é uma excelente notícia” e que for candidato “é uma boa escolha para a Europa”, afirmou a cabeça de lista socialista.
Mais contido na satisfação, Sebastião Bugalho destacou, sobretudo, que “não é um mau dia do ponto de vista democrático, mas não posso entrar em campanha por António Costa”, que deve estar “aliviado”.
A bloquista Catarina Martins optou por “registar que passaram mais de seis meses até António Costa ser ouvido, e porque pediu”, e que esse tempo “deve preocupar-nos porque há vários cidadãos e cidadãs anónimas que passam por este calvário” às mãos da justiça. Quanto a possíveis apoios, “ser português não o torna mais capaz ainda que seja diferente de Durão Barroso”.
Já Pedro Fidalgo Marques lembrou que o papel e os meios ao dispor da justiça "devem ser reforçados”, questionando como é que "um comunicado da PGR pôde pôr em causa toda a estabilidade política de um país".
Os mais de 20 mil milhões
Centrando a discussão na Europa e, concretamente, no PRR cujo prazo para execução dos mais de 20 mil milhões de euros esgota-se em 2026, estão os partidos à mesa disponíveis para pressionar a Comissão Europeia a alargar esse prazo? A resposta foi unânime: se for preciso, sim.
Temido manifestou, porém, estar “convicta de que vamos cumprir essa meta”, assim como Sebastião Bugalho: ”Espero que seja executado o mais rapidamente possível. Se entrarmos numa situação em que Portugal beneficie do alargamento, acho que nenhum eurodeputado será contra".
Catarina Martins também não hesitou na resposta, assegurando que “se for preciso um alargamento o BE lutará por isso”, mas alertou para as novas regras de governação económico que, disse, “dão à Comissão Europeia poder discricionário para decidir em que o país pode ou não investir, e não é só preciso betão também são precisos trabalhadores”.
“Estas novas regras são perigosas, permitem até que os países sejam tratados de forma desigual. [Além disso] este fundo - o PRR - é uma política pontual e aquilo que precisávamos era que este mecanismos fosse permanente para todos os Estados terem capacidade de investir nos serviços públicos, habitação, e em áreas fundamentais. Não é num período reduzido que vamos resolver todos os problemas” (Catarina Martins)
Já o PAN, pegou numa das bandeiras do partido - a abolição das touradas - e lançou para a mesa o “tema que tem ficado esquecido: a cultura. (…) Tortura não é cultura e os 16 milhões para as touradas são fundos mal aplicados que devem ir para a cultura”.
A ameaça crescente da extrema-direita
A questão do novo modelo de governação económica europeia e das novas regras que impõe foi recuperado pela cabeça de lista do BE que considerou um “absurdo” o Parlamento Europeu “ter dado [neste momento] mais poder à Comissão Europeia, onde a extrema-direita vai ter mais peso”.
"Nunca a Comissão Europeia teve tanto poder, isso é um erro (…) e vai ser preciso combater pelo direito à saúde, habitação, educação. (…) [As novas regras] são um ataque ao país tendo em conta uma Comissão Europeia que está muito condicionada pela direita mais radical e pela extrema-direita, (…) bem vejo como a presidente Ursula von der Leyen está a negociar com a extrema-direita os próximos cargos institucionais", disse a bloquista.
Uma posição que o cabeça de lista da AD considerou estranha porque, sustentou, “permite precisamente uma maior flexibilidade entre os Estados-membros desde que cumpram com as metas - o limite de défice e que reduzam a sua dívida”.
“A virtude desde novo modelo económico é que permite a quem governa divergir moderadamente nas políticas publicas, garantindo que há alternativa dentro da Europa e mais liberdade para os Estados-membros. Não percebo qual é o problema, a não ser que a Catarina Martins queira sair do Euro”, ripostou Sebastião Bugalho.
Mas é precisamente o facto de os Estados-membros estarem “reféns do défice e da dívida” que preocupa o PAN. “Portugal continua sem qualquer flexibilidade para investir onde é preciso” como as energias renováveis, a investigação, ciência. Mas, prosseguiu, em vez disso “continuamos reféns deste binómio défice e dívida. Temos que trocar a narrativa na Europa”.
O candidato da AD recuperou depois a palavra destacando o “pessimismo da Catarina Martins quando diz que irá haver um comissário europeu de extrema-direita ou um primeiro-ministro no Conselho europeu de extrema-direita”, quando, vincou, “não vejo como é que isso possa acontecer”.
“Não é não é cá ou também é lá? Serão ou não favoráveis a um acordo com a extrema-direita para manter Von Der Leyen no poder?” questionou o cabeça de lista do PAN a Sebastião Bugalho.
Na resposta, o cabeça de lista da AD garantiu que “as nossas linhas vermelhas são intransponíveis. (..) As linhas vermelhas de Ursula von der Leyen são o respeito pelo Estado de Direito, o respeito pelo europeísmo e a defesa da Ucrânia. As nossas são exactamente as mesmas e posso garantir que não serão quebradas”.
Aborto, o tema que isolou a AD
Não é ainda uma possibilidade para todas as mulheres europeias e PSD e CDS votaram contra. Para Sebastião Bugalho são “duas coisas diferentes”.
“A IVG que, obviamente, é um direito da mulher de decidir sobre o seu corpo, não é um direito que está desacompanhado porque também defendemos todos o direito à vida. Ninguém quer fazer um aborto a uma criança que está com oito meses de gestação. (…) a IVG é um equilíbrio entre dois direitos, por isso é que consagrá-lo unicamente como direito fundamental na carta dos direitos fundamentais da UE era juridicamente perigoso. Foi por uma questão jurídica”, explicou o candidato da AD, garantindo que “nesta delegação, neste mandato, nesta equipa não haverá um único retrocesso nos direito das mulheres, fica um compromisso solene feito”.
Uma justificação que não convenceu. “Exatamente porque fui ministra da Saúde não posso ficar calada”, declarou a socialista Marta Temido porque ”o que está em causa, em última instância, é a morte de mulheres por uma complacência com uma IVG clandestina", e “escudando-se atrás de um elemento jurídico” quando a questão é as mulheres “poderem morrer mais ou menos”.
No mesmo tom crítico, Catarina Martins lembrou que “o aborto clandestino era uma das principais causas de morte antecipada em Portugal. Não é preciso falar da Europa para percebermos que a desculpa jurídica é mesmo uma só desculpa”.
“A AD não só tem partidos como o PPM que nem vale a pena dizer o que dizem sobre mulheres, mas têm também o CDS com Paulo Núncio que na campanha das legislativas achou por bem explicar que era bom pôr obstáculos a que as mulheres conseguissem concretizar o seu direito à IVG. E mais. Da última vez que PSD e CDS estiveram juntos no Governo introduziram normas humilhantes no acesso à IVG, que depois tivemos de desfazer, portanto é uma convicção contra os direitos das mulheres. No espaço europeu acha segurança para as mulheres”
Para o PAN este é precisamente “o tipo de direitos que temos que assegurar, (…) garantir que a todas é garantido o acesso à IVG". Mas não só. Pedro Fidalgo Marques alertou para o número de mulheres - “três mil mulheres” - que morreram vítimas de violência doméstica na Europa só em 2023. É necessário ainda, acrescentou, assegurou “gabinetes para garantir que existe apoio rápido” e que “não há retrocessos” não só com as mulheres mas também em relação a minorias.
“Tem havido um discurso de ódio que não pode passar e que mata”, alertou o cabeça de lista do PAN.
Todos contra a corrupção
AD, PS, BE e PAN estão de acordo. A “transparência é pouca” e o uso indevido de fundos europeus é um "problema dramático" para o qual muito contribui “o grande buraco negro chamado offshores”. Catarina Martins defende que “é preciso encararmos o problema” até porque “a UE tem a grande maioria das offshores do mundo”.
Mais concisa, porque o debate estava a chegar ao fim, Marta Temido disse ser uma “linha intransponível” que obriga a um “combate feroz, exige maior transparência,” e uma “justiça fiscal ao serviço do interesse comum”.
Transparência também defende o PAN, sugerindo a aplicação de "períodos de nojo e incompatibilidades que não existe" atualmente. Sebastião Bugalho deu o remate final, pondo-se ao lado dos adversários na necessidade mais "transparência fiscal”.
[Notícia atualizada às 00:18]