Guerra Rússia-Ucrânia

Análise

Ataque ucraniano antes das negociações "tem um forte simbolismo"

Francisco Cudell, especialista em segurança e defesa, explica que o ataque da Ucrânia contra a região de Moscovo não é apenas uma ação militar, mas uma mensagem clara ao Kremlin e ao mundo: "A Ucrânia quer mostrar que continua a lutar". O especialista destaca ainda as negociações mediadas pela Arábia Saudita e a ausência da Europa.

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A Ucrânia lançou um ataque sobre a região de Moscovo com mais de 300 drones. O ataque acontece em dia de negociações diplomáticas na Arábia Saudita. Para o especialista em segurança e defesa Francisco Cudell, este ataque tem um forte simbolismo "parece replicar a estratégia russa em ocasiões semelhantes".

"Este ataque tem um simbolismo muito interessante porque replica aquilo que os russos fizeram nas últimas vezes em que houve reuniões. Se recuarmos no tempo, na véspera das últimas reuniões, Putin lançou um ataque em larga escala com dezenas de drones e também alguns mísseis balísticos sobre a Ucrânia. Desta vez, é a Ucrânia que diz: 'Nós estamos aqui, nós estamos aqui para continuar a lutar'"

O Ministério da Defesa ucraniano anunciou a compra de 4,2 milhões de drones aéreos para utilização em 2025, um número que ilustra a mudança na estratégia de guerra.

"Estamos a ver claramente que deixámos para trás a guerra de trincheiras e de carros de combate. A evolução tecnológica está a direcionar o conflito para a inteligência artificial, os drones e munições muito mais especializadas".

O uso massivo de drones traz vantagens estratégicas e responde a um problema fundamental para Kiev: a escassez de tropas.

"A Ucrânia tem um problema de homens no terreno, tal como a Rússia começa a ter. A Rússia teve um pico de 650.000 militares, mas desde outubro que se nota uma redução da presença de homens no terreno".

A aposta nos drones e na tecnologia permite reduzir baixas humanas, mas o conflito continua a ter um impacto severo na população. "A Ucrânia tem um inverno extremamente rigoroso, com temperaturas muito negativas. A destruição de infraestruturas energéticas tem consequências humanitárias graves, pelo que uma possível trégua aérea poderia aliviar este problema".

A Europa ausente das negociações

Enquanto os Estados Unidos e a Ucrânia negociam frente a frente, com a Arábia Saudita a mediar as conversações, Francisco Cudell destaca um grande ausente na mesa: a Europa.

"Temos um triângulo onde os vértices não se tocam: os Estados Unidos, a Ucrânia e, indiretamente, a Rússia. Mas falta um quarto elemento: a Europa. Continua a não existir e é preciso refletir sobre as consequências desta ausência".

A União Europeia anunciou um plano de rearmamento de 800 mil milhões de euros, mas os efeitos não serão imediatos. "Ursula von der Leyen anunciou 150 mil milhões já e os restantes 650 mil milhões a quatro anos. Se os resultados não forem evidentes nos próximos tempos, a União Europeia corre sérios riscos".

A Arábia Saudita como centro diplomático

Nos últimos tempos, a Arábia Saudita tem vindo a afirmar-se como mediador de grandes conflitos, desde a Ucrânia até à questão Israel-Hamas. Para Francisco Cudell, isso faz parte de uma estratégia bem definida: o programa Saudi Vision 2030.

"A Arábia Saudita tem um objetivo fundamental: mudar a sua imagem. Durante anos, o país foi associado a práticas como decepar mãos e agora quer ser visto como um centro económico, financeiro e turístico. Aposta em nove setores industriais de referência e têm sido o grande negociador, mas sempre na forma de silêncio".

Este poder financeiro e estratégico saudita contrasta com as dificuldades europeias.

"A Arábia Saudita tem aquilo que a Europa não tem: um poder financeiro tremendo. Os Estados Unidos também. E o mundo governa-se com duas formas: poder e dinheiro".

Do encontro de hoje, o mais provável, segundo Cudell, é que saia apenas "a marcação de uma nova reunião".

Marco Rubio, senador norte-americano, afirmou antes da cimeira que um possível acordo para a exploração dos minerais não seria assinado, mas esperava perceber até que ponto cada parte está disposta a ceder. Para Cudell, essa será a grande questão.

"Ambas vão ter que ceder. A Rússia tem na sua Constituição que os cinco oblasts, incluindo a Crimeia, são território russo e tem que os defender. A Ucrânia, por outro lado, tem na sua Constituição que só pode ceder território mediante um referendo, algo impossível com a lei marcial em vigor. Estamos num impasse difícil de resolver, mas que terá obrigatoriamente que ter uma solução", conclui o especialista.