Os Estados Unidos conseguiram pressionar a Ucrânia a aceitar um cessar-fogo de 30 dias, mas ainda não é certo que a Rússia o respeite. Moscovo tem conseguido avanços militares no terreno e pode não ter interesse em parar os combates. O comentador da SIC e especialista em Relações Internacionais, Daniel Pinéu, alerta para a incerteza do cenário e questiona a capacidade de Washington em garantir que o Kremlin cumpre o acordo.
“A resposta que vamos ter de Moscovo a este sucesso negocial dos Estados Unidos com a Ucrânia, estamos a começar a tê-la - os recentes ataques russos, que Moscovo justifica como retaliação pelos ataques ucranianos na região de Moscovo, ocorridos na madrugada de terça-feira".
A Rússia alcançou uma “vitória importante” em Kursk, ao forçar a retirada das tropas ucranianas, o que pode significar que o Kremlin não tem interesse em interromper os combates: “Como está a ganhar no terreno aquilo que não estava a ganhar anteriormente, tem muito pouco interesse em parar".
O especialista destaca que a estratégia negocial de Donald Trump tem sido pressionar a Ucrânia para aceitar o cessar-fogo, mesmo contra a sua vontade.
"E aquilo que nós vamos ver é se Donald Trump tem a capacidade negocial. Até agora, o que parece acontecer na estratégia negocial de Donald Trump é: assumir que o grande obstáculo à paz é a Ucrânia continuar a defender-se e não querer um cessar-fogo. E, portanto, fazer o máximo de pressão possível para a Ucrânia até a fazer capitular e ceder em quase todas as exigências".
O que está (e não está) em cima da mesa?
Daniel Pinéu sublinha que, até agora, o acordo de cessar-fogo não inclui temas centrais como a Crimeia, o Estatuto das Regiões, abertura das fronteiras ou não, as sanções económicas ou a adesão da Ucrânia à NATO.
"Nada disso está neste momento na mesa. Neste momento é apenas: para podermos chegar a isso e formarmos equipas negociais para começar um quadro negocial, temos que ter um cessar-fogo. Mesmo esse cessar-fogo, a Rússia não está, pelo menos até agora, a respeitá-lo e está a dar indicações que não o vai fazer".
A Ucrânia entrou na negociação numa posição de fragilidade, uma vez que, enquanto resistiu ao cessar-fogo, enfrentou suspensão de ajuda militar e estratégica: “Enquanto não disse que sim a este cessar-fogo, teve uma suspensão de ajuda militar, inclusive alguma que já estava garantida anteriormente, e sobretudo de informações estratégicas importantíssimas e uma ameaça de desligar o sistema Starlink".
"A pergunta é: como é que os Estados Unidos conseguem constranger a Rússia da mesma forma que conseguiram constranger a Ucrânia a aceitar um cessar-fogo que não queria?".
E o que acontece se a Rússia violar o cessar-fogo, uma vez que não estão previstas consequências claras para Moscovo? Segundo Daniel Pinéu, isso pode ser um problema: “Isso não está escrito no acordo porque Donald Trump não tem forma de impor isso à Rússia.”
Que garantias de manutenção de paz durante este período?
A questão das garantias de segurança é outro fator preocupante para a Ucrânia. A entrada na NATO não está no horizonte, nem uma adesão rápida à União Europeia, com garantias de segurança dos países europeus e os Estados Unidos não dão garantias.
"Sem garantias de segurança, qualquer cessar-fogo ou qualquer acordo pode dar em absolutamente nada".