O presidente da Assembleia da República pede que o Chega proceda a correções no seu requerimento potestativo sobre a constituição de uma comissão de inquérito parlamentar relativa aos incêndios florestais para sanar desconformidades de ordem constitucional.
Esta posição consta de um despacho assinado esta terça-feira por Aguiar-Branco, em que, por outro lado, admite os requerimentos apresentados pelo BE e JPP - ambos visando igualmente a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito sobre incêndios florestais.
No seu despacho, o presidente do Parlamento indica que "as irregularidades identificadas" na iniciativa do Chega "não assumem uma gravidade tal que imponha a rejeição liminar do requerimento".
Porém, o presidente da Assembleia da República decidiu notificar o Chega "para, querendo, sob cominação de eventual rejeição, no prazo de cinco dias, proceder à clarificação do objeto do inquérito e/ou à sua conformação com os pressupostos constitucionais e legais que limitam o escopo legítimo dos inquéritos parlamentares".
O que Aguiar-Branco exige ao Chega
De acordo com José Pedro Aguiar-Branco, o Chega deverá "especificar qual o ato do Governo ou da administração que pretende averiguar ao propor o apuramento completo dos contornos da operação policial [denominada] Torre de Controlo, bem como a investigação de eventuais práticas de cartelização ou corrupção no setor do combate aos incêndios rurais".
Deverá ainda "especificar qual o ato do Governo ou da administração que se pretende escrutinar ao propor a investigação dos alegados negócios e interesses económicos que prosperam com a perpetuação dos incêndios rurais".
E, ainda, "fundamentar a existência de factos novos ou de conhecimento superveniente que justificam a extensão do objeto do inquérito a atos do Governo ou da administração ocorridos em legislaturas anteriores [nesta caso 2017] à atualmente em curso".
Para o presidente da Assembleia da República, no caso relativo às investigações referidas pelo Chega sobre a operação policial "Torre de Controlo" e sobre a existência de eventuais esquemas de cartelização ou corrupção no setor do combate aos fogos, não estão identificados quaisquer atos do Governo ou da administração -- "o que inviabiliza a sua compatibilização com o critério funcional consagrado no RJIP (Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares)".
"O parlamento pode dirigir a sua atividade de investigação a titulares de cargos públicos e a pessoas coletivas de direito público, bem como a pessoas físicas ou a empresas privadas, diretamente ou apenas na medida em que as mesmas sejam pertinentes para a investigação de um determinado assunto, relacionado com a atividade do Governo ou da administração. Ir mais longe, nomeadamente, enveredando por investigações que incidam sobre matérias da competência exclusiva das autoridades judiciais ou policiais, representaria uma inaceitável sobreposição às funções do poder judicial, em violação do princípio da separação de poderes, e constituiria usurpação de poderes", salienta Aguiar-Branco.
"Inquérito parlamentar não tem por finalidade apurar responsabilidades criminais"
O presidente da Assembleia da República remata a seguir que "o inquérito parlamentar não tem por finalidade apurar responsabilidades criminais nem se substituir às instâncias judiciais".
"A sua função é eminentemente política: visa esclarecer factos relevantes para efeitos de controlo da ação do Governo e da administração, detetando eventuais falhas ou disfunções na aplicação da lei ou na execução de políticas públicas", contrapõe.
Aguiar-Branco assinala, ainda, que o Chega propõe um objeto desde 2017 até ao presente.
"Tal período incidirá sobre as XIII, XIV, XIV, XV e XVI legislaturas, o que contraria, em princípio, o limite temporal estabelecido. A amplitude retrospetiva do objeto deverá, por isso, ser devidamente justificada à luz das exceções legais admitidas, sob pena de desconformidade com o RJIP", adverte.
No caso dos requerimentos apresentados pelo BE e JPP também para a constituição de uma comissão de inquérito sobre incêndios, o presidente do parlamento observa que a sua concretização "dependerá de deliberação expressa do plenário".
"Entende-se que a eventual necessidade de compatibilização entre os diferentes inquéritos parlamentares deverá ser relegada para momento posterior, cabendo à conferência de líderes", acrescenta.