Lisboa sentiu-se deserta do outro lado da Jornada Mundial da Juventude. Até Oeiras, existiam pombos a conviver na estrada por não passar vivalma. É um cenário que fez remontar aos tempos de confinamento e os ciclistas e corredores aproveitaram as vias vazias.
Na outra ponta de Lisboa, no Largo da Igreja Matriz de Oeiras, encontraram-se dezenas de pessoas a ver a missa do Parque Tejo a ser transmitida num ecrã gigante. Muitos vieram por acaso, à espera da missa das 9:30.
“Cheguei aqui para vir à missa, mas acabei por ficar plantada aqui”, ri-se Lúcia que reside em Oeiras e trabalhou 20 anos ao pé deste largo.
O que Lúcia não sabia é que a missa foi adiada e, por isso, contentou-se com a cerimónia de Envio que estava quase a começar. Esta é uma das suas únicas opções para poder ver o Papa em Lisboa.
“Vejo sempre na televisão, gostava de ver o Papa, mas é muita confusão. Não queria ir sozinha, mas gostava de tocar nele, dar um abraço, ontem fartei-me de chorar ao ver na televisão. Ele é um Santo”, comentou.
No entanto, tem vivido a JMJ de outra forma e diz que a quantidade de jovens que esteve em Oeiras coloriram as ruas durante esta última semana.
“Tem estado sempre cheio de jovens, como tem ali supermercado também, com o calor tem ali sombrinha muito boa, são imensos com as camisolas coloridas, fica giro, com muita alegria”, elucidou.
Também existe peregrinos que não foram ao Parque Tejo. Conforme voluntários de Oeiras, eram suposto ser apenas seis a assistir aqui, mas acabaram por ser cerca de 40, dado que um grupo de espanhóis não conseguiu entrar.
“Fomos lá ontem, mas era um pouco longe do ponto de chegada. Havia duas entradas para o recinto e estava um pouco confuso e os voluntários redirecionaram-se para um sítio a cinco quilómetros. Estava muita multidão e não conseguimos ver, voltámos para trás”, explicou Iker, de 23 anos.
Alba relembrou-se que, no sábado, acordaram às 6:00 e chegaram ao Parque Tejo às 12:00. Após cinco horas, conseguiram chegar à entrada, mas já sem comida.
“A organização estava confusa. Os voluntários tentaram ajudar, mas estavam um pouco desorientados. No sítio que queríamos entrar, a comida já tinha acabado. No outro sítio era demasiado longe e não nos conseguiam levar lá”, lamentou.
Este grupo de 30 peregrinos conseguiu assistir às outra cerimónias no Parque Eduardo VII, apesar de notarem a “ineficiência” dos transportes lotados.
Apesar deste contratempo, reforçaram que “a experiência foi muito boa”, mas ficará a memória não terem conseguido ir ao evento principal.
A missa iniciou e o largo, com dezenas de pessoas espalhadas pelos bancos e sombras do jardim - mesmo às 9:00 já se fazia sentir o calor - e o silêncio tomou conta do espaço.
O único barulho vinha do café Pateo Pombalino que, durante esta semana, serviu milhares de peregrinos acomodados na Igreja a meros metros da sua esplanada.
“Trabalho aqui e assiti um pouco de perto esta JMJ. Tivemos bastantes peregrinos a vir aqui, eles acabaram por frequentar a esplanada e tiveram o prazer de degustar os nossos pasteis de nata e o nosso café Delta, que é uma maravilha”, relembrou Celeste Gonçalves, que se ocupava a servir as “bicas” do dia para quem se entretia com a celebração da cerimónia final com o Papa Francisco.
Falava-se, no largo, da vigília do dia anterior. Entre voluntários e peregrinos comentava-se “no meio de um milhão e meio de pessoas, não se ouvia um pio. Até temos pessoas não católicas a trabalhar para a Jornada”.
Quando Francisco falava, fazia-se silêncio absoluto no Largo. Mesmo quem chegava e perturbava, era imediatamente silenciado com uma sinalização “está a falar o Santo Padre”.
Algumas dezenas de peregrinos iam-se amontoado para tomar o pequeno almoço no largo distribuído por voluntários. O cansaço notava-se.
Mas essa fraqueza sentida, já no último dia da JMJ, ainda tinha que persistir para a última mensagem de Francisco. Neste outro lado da cidade, oposto ao Parque Tejo, onde mais de um milhão de pessoas estava, também houve algum do tão falado retorno, pelo menos para Celeste.
“O retorno diga-se que foi positivo, porque os peregrinos acabaram por consumir, uns mais outros menos, mas acabou por se dar. Foram muito educados, tranquilos e muito simples. Gostei imenso”, comentou.
Para quem não participou diretamente ou assistiu de perto, continua a sensação de que o investimento nesta JMJ valeu a pena, sendo que nos próximos dias será feito um balanço e o saldo do evento.
“Vale a pena o investimento. O Palco serve para outras coisas. Agora vai ser noutro país, é uma coisa única, não tenho palavras”, explicou Lúcia.
Já Celeste, não está tão certa, mas também não conseguiu responder se o dinheiro investido pelo Estado foi aplicado corretamente. No entanto, o futuro o dirá.
“Foi muito dinheiro investido. Precisavamos de restrururar outras coisas que são importantes, mas não consigo fundamentar sobre esse investimento. Tudo correu bem, após a saída, cá estaremos para discutir onde podemos gastar o dinheiro”, concluiu.
Nestes últimos dias, tanto Carlos Moedas, Presidente da Câmara, como Marcelo Rebelo de Sousa, têm falado sobre o retorno “imaterial” desta Jornada, do sentimento e emoção que o evento tem espalhado e contagiado pela cidade.
Nem todos se identificam com as celebrações, mas acabam por agir como o Papa frisou ao longo desta semana: “todos”.
“Em relação à religião, não me identifico, respeito plenamente as convicções de cada um mas temos esta liberdade de podermos expressa-la e poder colaborar e estarmos juntos”, comentou Celeste.
No fim, já o largo estava cheio de público para a missa final do Papa Francisco em Lisboa e o seu discurso, que encerrou a cerimónia, mereceu aplausos deste outro lado da cidade.
Com as milhões de mãos do outro lado da cidade, no Parque Tejo, e as dezenas ou centenas deste, em Oeiras, faz-se uma ponte de quilómetros entre os dois extremos da cidade que, assim, descansa e reflete sobre o que fica do maior evento católico do mundo.