Operação Marquês

Prisão preventiva inédita para ex-primeiro-ministro

O ex-primeiro-ministro José Sócrates tornou-se o primeiro ex-líder de governo da história da democracia portuguesa a ficar em prisão preventiva, indiciado por fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção.

© Hugo Correia / Reuters

Depois de ter sido detido na sexta-feira à noite, no aeroporto de Lisboa, quando regressava de Paris, José Sócrates começou a ser interrogado no domingo.

 

Os outros três arguidos no processo, o empresário Carlos Santos Silva, que foi administrador do grupo Lena entre março de 2008 e outubro de 2009, o advogado Gonçalo Trindade Ferreira e o motorista João Perna, detidos na quinta-feira, regressaram também esta segunda-feira ao "ticão" para saberem as medidas de coação.

 

Os advogados do ex-primeiro-ministro José Sócrates e do empresário Carlos Santos Silva chegaram cedo ao TCIC, cerca das 09:00, em Lisboa, e foram parcos em palavras.

 

À chegada ao Campus da Justiça, o advogado João Araújo, defensor de José Sócrates, limitou-se a dizer "bom dia" aos muitos jornalistas presentes, enquanto Paula Lourenço, que representa o empresário Carlos Santos Silva justificou apenas que o processo "está em segredo de Justiça".

 

Ao terceiro dia de detenção do ex-primeiro-ministro, vários socialistas comentaram a inédita situação de José Sócrates. A presidente cessante do PS, Maria de Belém, recusou a perspetiva de que a detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates fragilize os socialistas, fazendo uma distinção entre a política e as questões de justiça.

 

"Essa é uma questão que pertence à justiça - e à justiça o que é da justiça e à política o que é da política", declarou a ex-ministra dos governos de António Guterres.

 

Já o vice-presidente da bancada socialista Vieira da Silva, membro de governos liderados pelo ex-primeiro-ministro José Sócrates, revelou sentir "dor" pela situação vivida pelo antigo líder do PS.

 

Também à chegada ao parlamento, outro antigo responsável de elencos presididos por Sócrates, Jorge Lacão, disse-se "consternado", sublinhando que "o importante" é a "ação política" do PS, tal como o líder parlamentar, Ferro Rodrigues, que escusou adiantar qualquer posição e também lembrou que o atual presidente da Câmara Municipal de Lisboa já se expressou em nome do partido.

 

"Trabalhei vários anos com José Sócrates e a imagem que tive e tenho dele não é a que tem sido divulgada nos últimos dias. Habituei-me a ver uma pessoa que lutava até às suas últimas forças pela ideia e visão que tinha e queria do seu país", afirmou Vieira da Silva, ministro do Trabalho e Solidariedade Social e, depois, da Economia, Inovação e Desenvolvimento nos dois governos de Sócrates.

 

 O eurodeputado socialista Carlos Zorrinho disse que, a respeito da detenção de José Sócrates, o "grande desafio" para o PS é evitar sair fragilizado desta situação, o que seria mau para o partido e para o país.

 

Em Bruxelas, durante a conferência de imprensa diária do executivo comunitário, a porta-voz Mina Andreeva indicou que a Comissão não tem comentários a fazer à detenção do antigo chefe de Governo português, por se tratar de uma questão estritamente nacional, e, questionada sobre se Bruxelas está pelo menos a acompanhar o processo, asseverou que não.

 

"Não digo que não estejamos a par, mas não estamos a seguir o caso ativamente", respondeu.

 

Também o ex-procurador-geral da República Pinto Monteiro, em entrevista à RTP, disse, referindo-se à detenção de Sócrates, que está a ser feito um "aproveitamento político de um caso jurídico", que "prejudica o PS". Pinto Monteiro considerou que a justiça "pode correr esse risco, de ser politizada", mas distinguiu "a pressão da imprensa" do comportamento dos "bons magistrados" que conduzem o caso.

 

As medidas de coação de José Sócrates e mais três arguidos de um processo que investiga crimes económicos foram esta noite comunicados aos jornalistas por uma funcionária do TCIC, em Lisboa.

 

João Araújo, advogado de José Sócrates, que informou antecipadamente os jornalistas da prisão preventiva aplicada ao seu cliente, considerou a prisão preventiva "profundamente injusta e injustificada" e anunciou que irá "interpor recurso".

 

Questionado pela Lusa o advogado escusou-se a dizer quais os pressupostos para a medida de coação.

 

A prisão preventiva só pode ser decretada quando o juiz considera que há perigo de fuga ou perigo de perturbação do inquérito e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova ou perigo de que os arguidos continuem a atividade criminosa ou perturbem gravemente a ordem e tranquilidade públicas, indica o artigo 204 do Código do Processo Penal.

 

A funcionária judicial explicou que o inquérito foi aberto em 2013 e que "nos presentes autos foi declarada a excecional complexidade, por despacho proferido em 03 de julho de 2014".

 

 O TCIC decretou segunda-feira a prisão preventiva do ex-primeiro ministro José Sócrates, do seu motorista João Perna e do empresário Carlos Santos Silva por suspeitas de crime económicos.

 

Ao advogado Gonçalo Trindade Ferreira, o juiz Carlos Alexandre determinou a proibição de contactos com os restantes arguidos, de se ausentar para o estrangeiro, com a obrigação de entregar o passaporte e de se apresentar duas vezes por semana ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

 

José Sócrates, detido na sexta-feira, está indiciado por fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção e o motorista João Perna por fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e detenção de arma proibida. 

 

O empresário Carlos Santos Silva, ex-administrador do Grupo Lena, está indiciado por fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, enquanto o advogado Gonçalo Ferreira é suspeito de ter cometido os crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

 

 Lusa