O PSD vai chamar ao parlamento o ministro da Defesa para explicar o seu comportamento face ao processo de militares suspeitos de tráfico de diamantes, que revela uma "estranha desconfiança" em relação ao primeiro-ministro e ao Presidente da República.
"Face à situação tornada pública do comportamento do senhor ministro da Defesa, o grupo parlamentar do PSD quer ouvi-lo com sentido de muita urgência na comissão parlamentar de Defesa Nacional", disse à Lusa o presidente da bancada social-democrata, Adão Silva.
Adão Silva distingue, neste caso "muito grave", a questão judicial, que segue uma via criminal, da questão do "comportamento interinstitucional" do ministro da Defesa, João Gomes Cravinho:
"É completamente inaceitável este comportamento, que revela uma estranha desconfiança do senhor ministro em relação ao primeiro-ministro e em relação ao Presidente da República, que é só o comandante supremo das Forças Armadas".
"Ao omitir uma informação de tamanha importância e responsabilidade, que forneceu às Nações Unidas, deixou-nos numa perplexidade imensa, porque o senhor ministro da Defesa Nacional teve um comportamento de deslealdade em relação ao primeiro-ministro e em relação ao Presidente da República, que não teve nenhuma comunicação em relação a esta situação tão complexa e delicada", sustentou o presidente da bancada do PSD.
Para Adão Silva, ao não informar o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, da investigação judicial sobre tráfico de diamantes, ouro e droga, Gomes Cravinho "teve mais uma manifestação do seu comportamento errático e esdrúxulo, como já aconteceu no passado", lembrando a questão da chefia da Armada e das despesas com a reconstrução do Hospital das Forças Armadas.
"Dá uma imensa insegurança e intranquilidade aos portugueses e transmite a ideia de que este ministro da Defesa não está lá a fazer nada, porque não tem o comportamento que se exige a um ministro e numa área de tamanha sensibilidade", afirmou.
O líder da bancada do PSD recusa pedir já taxativamente a demissão do ministro, aguardando pelas suas explicações que dará ao parlamento.
"Vamos ver depois da reunião da comissão se o senhor ministro nos vai dar as informações satisfatórias, se, pelo contrário, mais uma vez, como pensamos que poderá ter acontecido, teve um comportamento errático. O PSD não hesitará em afirmar que o senhor ministro está a mais, mas a responsabilidade é do senhor primeiro-ministro", argumentou Adão Silva.
O PSD, que formalizará hoje durante a manhã o requerimento para a audição de Gomes Cravinho, quer saber "o que se passou na comunicação, ou falta dela, aos órgãos de soberania do Estado", como decorreu "o circuito de comunicação" e "qual a linha que o norteou em tudo isto".
"Estamos fartos de ver este ministro da Defesa cometer asneiras atrás de asneiras, cada cavadela sua minhoca, cada cavadela sua asneira", sublinhou Adão Silva.
Rui Rio considera "uma história muito mal contada"
O presidente do PSD e recandidato ao cargo, Rui Rio, já tinha considerado "uma história muito mal contada" que o ministro da Defesa não tenha informado o primeiro-ministro sobre o caso de militares em missão externa suspeitos de tráfico de diamantes.
"É uma situação grave, é grave porque o Presidente da República não é informado, mas para mim é particularmente grave um primeiro-ministro ter um membro do Governo que não o informa de uma situação destas", afirmou Rui Rio em entrevista à RTP3, na quarta-feira à noite.
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Operação Miríade: Rangel quer saber o porquê de Marcelo não ter sido informado
Presidente da República recusa comentar
O Presidente da República recusou na quarta-feira comentar as suas relações com o Governo depois de não ter sido informado do envolvimento de militares numa investigação judicial sobre tráfico de diamantes, ouro e droga.
À saída de um encontro com jovens na Livraria Barata, em Lisboa, a comunicação social questionou sucessivamente o chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas, sobre este assunto, perguntando-lhe se entende que foi desconsiderado pelo ministro da Defesa Nacional e se espera explicações formais do Governo.
A todas essas perguntas Marcelo Rebelo de Sousa respondeu que não comentava, limitando-se a reiterar a opinião de que "a reputação das Forças Armadas Portuguesas estava intacta" na sequência da Operação Miríade, no âmbito da qual a Polícia Judiciária (PJ) executou cem mandados de busca e deteve onze pessoas, incluindo militares e ex-militares.
Questionado se neste caso se verificou uma nova falha de comunicação entre o ministro da Defesa e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa retorquiu:
"Não levem a mal, mas eu não tenho mais nada a comentar. Percebo a vossa curiosidade, estão na vossa função, mas eu também estou na minha função".
Primeiro-ministro não informou Presidente porque não estava informado
Em Berlim, depois de um almoço com o vencedor das eleições na Alemanha e atual vice-chanceler Olaf Scholz, o primeiro-ministro justificou na quarta-feira não ter informado o Presidente da República sobre a rede de tráfico envolvendo militares e civis, porque ele também não tinha conhecimento.
"Eu não informei porque não estava informado, portanto isso é um tema que será de ser tratado, mas num sítio próprio que é em território nacional", revelou António Costa.
Num comunicado sobre a Operação Miríade, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) referiu que alguns militares portugueses em missões da ONU na República Centro-Africana podem ter sido utilizados como "correios no tráfego de diamantes", adiantando que o caso foi reportado em dezembro de 2019.
Na terça-feira, em Cabo Verde, o chefe de Estado relatou que o ministro da Defesa lhe tinha explicado que "na base de pareceres jurídicos tinha sido entendido que não devia haver comunicação a outros órgãos, nomeadamente órgãos de soberania, Presidência da República ou parlamento".
Na quarta-feira, interrogado se compreende o enquadramento jurídico-constitucional para esta decisão, o Presidente da República respondeu: "Eu disse ontem [terça-feira] apenas os factos. Eu não quero comentar".