José Gomes Ferreira

Diretor-adjunto de informação da SIC

Orçamento do Estado

O logro político da Inflação

O Ministério das Finanças continua a achar que o fenómeno da inflação é temporário, decorrendo sobretudo de dois fatores: o fim da pandemia e a atual situação de guerra. Este raciocínio é errado e, em sentido político e social, perigoso.

O logro político da Inflação

Tanto o Governo como o PSD e os restantes partidos da oposição continuam sem perceber quais são as verdadeiras causas da elevada taxa de inflação em Portugal e na economia mundial. Por isso, tanto as políticas contidas no Orçamento do Estado de 2022 como as propostas dos partidos que o contestam assentam em pressupostos errados.

O novo ministro das Finanças, Fernando Medina, fez questão de sublinhar durante a apresentação do Orçamento do Estado que o Governo não vai aumentar os salários dos funcionários públicos de acordo com a taxa de inflação esperada para este ano, 4 por cento, porque isso iria contribuir para aumentar ainda mais a espiral inflacionista que estamos a viver. Além disso, referiu o ministro, não há a certeza de que a atual taxa de inflação, influenciada sobretudo pelos preços da energia, continue a um nível tão elevado durante muito tempo. Por outras palavras, o Ministério das Finanças continua a achar que o fenómeno da inflação é temporário, decorrendo sobretudo de dois fatores: o fim da pandemia, que provocou uma pressão súbita e localizada em algumas cadeias de abastecimento, e a atual situação de guerra, que está a encarecer pontualmente os preços de alguns produtos alimentares como os cereais e, sobretudo, os combustíveis, o gás e a eletricidade.

Ora este raciocínio é errado e, em sentido político e social, perigoso, porque leva a conclusões sobre políticas de governação e propostas de alterações feitas pelos partidos, que não terão condições objetivas para se concretizar.

A verdadeira razão pela qual a taxa de inflação disparou em Portugal, na Europa e no mundo, é uma e só uma: a emissão massiva de dinheiro novo desde 2008 até ao final de 2021, pelos principais bancos centrais, a Reserva Federal norte-americana, o Banco de Inglaterra, o Banco Central Europeu e o Banco do Japão. Só no caso da FED e do BCE, os balanços dos dois bancos incharam tanto que já somam o equivalente a 20 biliões de dólares (20 trillion usd), isto é, o equivalente ao PIB anual dos Estados Unidos e a quase um quinto de todo o PIB mundial.

Tanto dinheiro injetado no sistema financeiro internacional, primeiro engordou os balanços dos grandes bancos e as contas bancárias das multinacionais, depois provocou especulação em quase todas as bolas ao redor do globo, depois rebentou com os preços do imobiliário em muitos centros de cidades afastando decisivamente a classe média de aí conseguir casa, e fatalmente teria de acabar numa inflação galopante que é tudo menos temporária ou localizada.

O erro dos atuais governos e das oposições é precisamente este: não perceber a natureza estrutural da inflação e julgar que o fim da pandemia e a guerra na Ucrânia são as suas causas. Mas estas não são causas, são adjuvantes.

Em consequência, a inflação veio para durar e vai fazer uma razia na qualidade de vida de milhares de milhões de cidadãos por todo o mundo, independentemente das guerras e das pandemias.

Bem pode o Governo português dizer que não vai aumentar este ano os salários dos funcionários públicos em 4 por cento, o valor da inflação média anual esperada para 2022. Na verdade está dentro das regras orçamentais e legais em vigor aumentar apenas 0,9 por cento os salários da função pública este ano. É esta a regra nos salários, nas pensões e nos demais subsídios pagos pelo Estado: cada aumento em determinado ano é feito com base na inflação verificada no ano anterior. Tem razão o governo em manter apenas este aumento em 2022. Não tem razão a oposição, nomeadamente o PSD, quando diz que esta política é de austeridade orçamental e exige aumentos próximos de 4 por cento, a inflação prevista.

Mas por não perceber a natureza estrutural da inflação, o Governo ainda não percebeu que a sua razão orçamental e financeira dura o mesmo que a cera de uma vela. Vai arder em pouco tempo…

Já em Outubro deste ano, o Governo de António Costa vai apresentar um orçamento do Estado para 2023 que terá de prever aumentos salariais nominais na função pública de 4 por cento (a inflação verificada este ano) e a mesma dimensão de aumentos nas pensões do Estado, da Previdência, e nos demais subsídios públicos. Por outras palavras, Fernando Medina não está neste momento a inaugurar uma política duradoura de contenção de salários e despesa do Estado. Está apenas a ganhar seis meses. As leis orçamentais e financeiras do Estado vão aplicar-se em pleno no ano que vem com base numa inflação de quatro por cento. Que assim será empurrada para um nível ainda superior.

Terão então razão os principais dirigentes partidários, quando disserem que o Governo acabou por fazer, tardiamente, o que eles diziam.

Uns e outros têm razão nas consequências…

Nenhum dos atuais responsáveis políticos em Portugal está a perceber as verdadeiras causas da inflação, nem a decidir ou a propor políticas sustentáveis, com base nessas causas profundas.

A nossa classe política ainda não conseguiu perceber que o dinheiro não cai do céu.

Se se cria a partir do nada, como se não houvesse amanhã, a fatura até pode chegar depois de amanhã, mas chega sempre.

O depois de amanhã da emissão desenfreada de dinheiro pelos bancos centrais, para fingir que os países conseguem resolver crises sem reformas verdadeiras, já chegou. Custa-nos os olhos da cara.

Chamem-lhe imposto escondido, ou o que quiserem: quem o provocou foram os mesmos políticos irresponsáveis que continuam a governar-nos.