O líder supremo iraniano, ayatollah Ali Khamenei, tem rejeitado qualquer compromisso sobre a questão do enriquecimento de urânio, ponto principal de atrito com os países ocidentais no processo nuclear iraniano.
O ponto de situação sobre esta recusa de Teerão, segundo analisa a agência de notícias France-Presse (AFP), surge a poucos dias de um possível regresso das sanções das Nações Unidas contra o Irão.
Porque motivo Teerão insiste no enriquecimento?
O sector nuclear emprega no Irão mais de 17.000 pessoas, segundo indicou em maio o porta-voz da Organização Iraniana de Energia Atómica, Behrouz Kamalvandi, que referiu que é utilizado não apenas para energia, mas também na saúde (deteção de cancros), na agricultura (luta contra pragas) e em tecnologias de ponta.
As centrais nucleares usam urânio pouco enriquecido (cerca de 3,5%), enquanto o de alguns centros de investigação, nomeadamente em Teerão, pode atingir os 20%, segundo os meios de comunicação iranianos.
A partir dos 60%, o enriquecimento de urânio é considerado uma etapa técnica para fins militares.
Teerão nega querer obter a bomba atómica, mas afirma enriquecer a 60% em retaliação à saída dos Estados Unidos, em 2018, do acordo internacional de 2015 sobre o nuclear, o Plano de Ação Conjunto Global ('Joint Comprehensive Plan of Action' - JCPOA).
O então presidente Donald Trump, que regressou à Casa Branca em janeiro deste ano, considerou que o acordo negociado pelo seu antecessor, Barack Obama, não era suficientemente rigoroso, e as sanções norte-americanas foram então restabelecidas e reforçadas.
Segundo a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), o Irão é o único país sem armas nucleares a enriquecer urânio a um nível de 60%.
Porque renunciar é uma linha vermelha para o Irão?
Para retomar as negociações nucleares, a administração Trump exige agora que o Irão renuncie a todo o enriquecimento. O acordo de 2015 limitava a taxa a 3,67% e garantia, em contrapartida, a suspensão das sanções ao Irão.
"Cumprimos todas as nossas obrigações, mas eles [norte-americanos e europeus] não levantaram as sanções, não cumpriram nenhuma promessa", criticou na terça-feira Khamenei.
Renunciar totalmente ao enriquecimento seria para o Irão aceitar condições muito menos favoráveis do que as do acordo de 2015.
O Irão considera, além disso, o nuclear civil -- e, portanto, o enriquecimento de urânio -- como um "direito", nos termos do Tratado de Não-Proliferação (TNP) a que aderiu. Apesar das importantes reservas de hidrocarbonetos, o Irão é regularmente afetado por cortes de eletricidade, pelo que o nuclear é visto como uma das soluções para a escassez de energia.
Quando é que o Irão se lançou no nuclear?
As bases do programa nuclear iraniano remontam aos anos 1950. O Irão, então uma monarquia liderada pelo xá Mohammad Reza Pahlavi, aliado dos Estados Unidos, assinou em 1957 um programa de cooperação civil nuclear com Washington.
Em 1970, o Irão ratificou o TNP, que obriga os Estados signatários a declarar e submeter os seus materiais nucleares ao controlo da AIEA.
Em 1974, o xá lançou um ambicioso programa que previa a construção de cerca de duas dezenas de centrais nucleares para produzir e exportar eletricidade, numa altura em que o consumo energético do país disparava e os recursos petrolíferos eram, por definição, finitos.
Os trabalhos, confiados à empresa alemã Siemens, começaram em Bushehr (sul) para construir a primeira central, mas foram interrompidos em 1979, pela Revolução Islâmica e pela chegada ao poder do ayatollah Ruhollah Khomeini, e, mais tarde, pela guerra Irão-Iraque (1980-1988).
De onde vem a desconfiança em torno do nuclear iraniano?
Em 2002, fotografias de satélite divulgadas pelas televisões norte-americanas chamaram a atenção internacional para dois sítios nucleares secretos em Arak e Natanz (centro). Em agosto de 2003, a ONU revelou que foram encontrados vestígios de urânio enriquecido em Natanz.
Os países ocidentais suspeitam que o Irão pretenda dotar-se da arma nuclear, o que é categoricamente negado por Teerão, abrindo-se, então, um longo braço de ferro.
Em 2006, o Irão afirma proceder ao seu primeiro enriquecimento de urânio (3,5%), aumentando depois para 4,8%, o que leva a ONU a aplicar, em dezembro desse ano, as primeiras sanções.
Em 2009, Teerão eleva o seu enriquecimento de urânio para 20%.
As tensões diminuem em 2015, quando o Irão e as grandes potências chegam a um acordo histórico.