Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

Saúde Mental

Opinião

Proteger a saúde mental das mães

Quanto maior é a licença parental, menor é o risco de problemas de saúde mental das mães, incluindo sintomas depressivos, sofrimento psicológico e esgotamento.

Proteger a saúde mental das mães
Canva

Esta é a principal conclusão de um estudo publicado no The Lancet que fez uma revisão sistemática internacional acerca deste tema.

Provar esta associação é importante por vários motivos.

Primeiro, porque estudos anteriores mostram que neste momento da vida dos pais marcado por alterações biológicas, familiares e financeiras, a prevalência de transtornos de saúde mental pode chegar a 20%.

Canva

Segundo, porque legitima políticas públicas de apoio parental extensas e generosas.

Dados do Bipartisan Policy Center mostram que embora 37 dos 38 países da OCDE tenham licenças parentais pagas (a exceção são os EUA), a oscilação é grande: no limite vão das 12 semanas no México às 328 semanas em França. Este cálculo soma o tempo partilhado entre mães e pais, os tempos máximos previstos na lei e várias composições do agregado familiar. Portugal posiciona-se no ponto médio dos países da OCDE.

Outro fator a ter em conta é a percentagem do salário pago durante a licença. A variação é grande entre os países da OCDE, começando nos 27% e indo até 100%. Em Portugal, a comparticipação oscila entre 80-100%, de acordo com o período de concessão e da modalidade da licença.

Em terceiro lugar, a associação entre a saúde mental das mães e a licença parental é importante porque mostra o risco acrescido das mães que não conseguem beneficiar deste apoio. A questão deve ser posta além da legalidade. Há que perceber se o vínculo laboral condiciona a duração da licença usufruída independentemente da lei. Os casos de trabalho temporário, a prazo ou independente devem merecer atenção, dada a perda de trabalho e/ou a substituição da trabalhadora.

Em quarto lugar, pela qualidade da atenção prestada ao recém-nascido, desde logo em torno da questão do aleitamento materno. A maior disponibilidade financeira e de tempo das mães tem um efeito positivo no respeito do tempo intrínseco das crianças para a alimentação, descanso e construção da sua imunidade.

Canva

Em quinto lugar, porque é preciso discutir as implicações destas evidências à luz da igualdade de género em termos laborais e de conciliação trabalho-família.

Este estudo não conseguiu identificar de forma tão clara a associação entre a licença parental e a melhor saúde mental dos pais. A questão não é que esta associação não exista, mas que é mais difícil de prová-la. Desde logo, pela menor robustez dos dados, na medida em que há menos pais a usufruir de licenças extensas: em média, os pais usufruem menos de metade do tempo de licença usufruído pelas mães.

A pretexto da proteção da saúde mental das mães, não se devem perpetuar diferenças entre homens e mulheres nas suas oportunidades profissionais, logo, também na sua condição financeira.

Segundo a Comissão Europeia, as mulheres trabalham o equivalente a mais 2 meses por ano do que os homens para ter um nível salarial igual e esta diferença acontece em todas as áreas profissionais, incluindo entre as profissões mais qualificadas. Sabe-se também qual o motivo: as mulheres ocupam o dobro do seu tempo face aos homens para cuidar dos filhos e com o trabalho doméstico.

No caso da licença parental, a principal opção política é o alargamento do período obrigatório da licença para o pai. Esta paridade ainda não acontece em muitos países. As principais exceções são a França, a Coreia do Sul, a Suécia ou a Islândia.

Este estudo recorda-nos o quanto a saúde mental tornou-se incontornável, sem que tenha deixado de estar envolto em controvérsias.

A controvérsia que este estudo ajuda a desmistificar é a suposta maior vulnerabilidade das mulheres às perturbações mentais. É preciso ir além das predisposições hormonais ou fisiológicas, porque a condição materna coloca as mulheres sob muito maior pressão familiar, laboral e financeira do que os homens. Fica claro o quanto a proteção laboral e salarial conseguem mitigar sintomas depressivos, sofrimento psicológico e esgotamento.