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Milhares de migrantes forçados pela Argélia a atravessar deserto do Saara sem alimento nem água

Mais de 13.000 migrantes, incluindo mulheres grávidas e crianças, foram obrigados pela Argélia a atravessar, sem alimentos nem água, o deserto do Saara até ao Níger nos últimos 14 meses, noticia hoje a Associated Press. Segundo a agência americana, a maioria dos migrantes é obrigada a caminhar 15 quilómetros até Assamaka, uma aldeia fronteiriça entre o Níger e a Argélia, e até ao Mali, enquanto outros deambulam pelo deserto até serem encontrados por equipas de resgate da Organização das Nações Unidas.

Milhares de migrantes forçados pela Argélia a atravessar deserto do Saara sem alimento nem água
Jerome Delay/ AP

A Amnistia Internacional já tinha indicado em outubro do ano passado que mais de 2.000 deslocados da África subsaariana tinham sido detidos na Argélia desde setembro e foram posteriormente expulsos para o Níger e o Mali, falando em "detenções arbitrárias" e "expulsões ilegais em massa".

Os migrantes contaram à agência norte-americana que foram metidos em camiões que os levaram, em longas viagens, até a um local conhecido como Ponto Zero, onde foram deixados no meio do deserto e obrigados a caminhar no sentido do Níger, algumas vezes sob ameaça de armas.

Muitos não resistem às caminhadas forçadas

Um grande número de pessoas não sobrevive às caminhadas forçadas, segundo relatos de mais de 24 sobreviventes à agência AP.

"Mulheres estavam mortas, homens... Outros desapareceram no deserto porque não sabiam o caminho", disse Janet Kamara, natural da Libéria. "Estava cada um por si mesmo".

Kamara, que na altura estava grávida, mas perdeu a criança, afirmou que outra mulher também tinha perdido o seu filho, depois de entrar em trabalho de parto durante a caminhada.

Segundo Aliou Kande, senegalense, cerca de uma dúzia de pessoas desistiu e deixou-se ficar pelo deserto, durante a caminhada de 11 horas realizada pelo grupo de 1.000 pessoas a que pertencia.

"Havia pessoas que não conseguiam aguentar. Sentaram-se e nós fomos embora. Estavam a sofrer demasiado", disse o adolescente.As expulsões em massa da Argélia aumentaram desde outubro do ano passado, depois de a União Europeia (UE) ter aumentado a pressão aos países norte-africanos para desviarem os migrantes que se dirigiam à Europa.

Argélia recusa verbas da UE para ajudar na crise migratória

A União Europeia esteve sempre consciente das ações da Argélia, afirmou uma porta-voz da UE, mas sublinhou que a expulsão de migrantes é permitida desde que seja feita de acordo com a lei internacional.

Ao contrário do Níger, a Argélia não aceita nenhuma das verbas da UE direcionadas para ajudar a crise migratória.

De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), o número de pessoas que chegou ao Níger a pé aumentou, desde maio de 2017, quando 135 pessoas foram abandonadas no deserto, para 2.888 pessoas em abril deste ano.

A OIM estima que um total de 11.276 homens, mulheres e crianças sobreviveram à caminhada desde 2017 e que 30.000 morreram no deserto desde 2014.

A AP recolheu durante vários meses vídeos que confirmam o relato dos sobreviventes.Muitas das filmagens mostram centenas de migrantes a afastarem-se de autocarros e camiões, iniciando a viagem pelo deserto. Outras revelam homens de uniforme de guarda, armados.

As autoridades argelinas recusaram fazer qualquer comentário, mas anteriormente negaram críticas de terem sido cometidos abusos de direitos humanos, afirmando que as alegações faziam parte de uma campanha maliciosa, com o objetivo de enfurecer os países vizinhos.

Alhoussan Adouwal, agente da OIM que se instalou em Assamaka para lançar um alerta sempre que um novo grupo aparece e para organizar uma equipa de resgate para os restantes, classifica a situação como uma catástrofe, indicando um grande aumento do número de expulsões.

Muitos dos que chegam a Assamaka são conduzidos para a vila de Arlit, viajando depois para Agadez, cidade no Níger, acabando por voltar para os seus países de origem em voos pagos pela OIM.

Lusa