O sistema de saúde no Afeganistão enfrenta há muito tempo desafios como a escassez de pessoal, a falta de financiamento e uma resposta inadequada às necessidades da população. E está sob adicional pressão desde a mudança de Governo em agosto de 2021 e subsequente redução no financiamento por parte dos doadores. Daqui resultou a deterioração das infraestruturas de saúde e uma ainda maior falta de profissionais, deixando muitas pessoas sem acesso a cuidados médicos e aumentando os riscos de más condições de saúde e de mortalidade na população.
O caso da pequena Hadia, “diagnosticada com desnutrição aguda grave”
“Não consigo sequer imaginar as dores que ela está a sentir, mas estou aqui ao lado dela com esperança de que melhore depressa”, expressa Farida, mãe de Hadia, de nove meses.
Durante dois dias, Hadia recusou-se a comer o que fosse, até a fruta de que mais gosta, bananas. A mãe levou-a a diversas unidades de saúde e médicos, mas o estado dela nunca deu mostras de melhoras.

Desesperada para ver a bebé ficar bem, Farida foi com Hadia a todos os sítios que lhe sugeriram: “Tudo o que as pessoas disseram, eu tentei. Levei-a a muitos médicos e paguei muito dinheiro pelos medicamentos que lhe receitaram, mas ela não melhorou, até ficou com diarreia, que piorou”, conta Farida.
Agora está no serviço de urgências pediátricas do Hospital Regional Mazar-i-Sharif, na província afegã de Balkh, onde equipas da Médicos Sem Fronteiras (MSF) prestam apoio.
A pequena Hadia foi diagnosticada com desnutrição aguda grave. Os médicos estimam que pode ter sido provocada pelas crises de diarreia, entre outras causas possíveis. Farida tem esperança de que a filha melhore.
Atoosa nasceu três meses antes do previsto com apenas 1,2 kg
Um andar acima do serviço de urgências, *Shekiba embala no colo *Atoosa, sentada na Ala de Prematuros, onde passaram os últimos dois dias após a bebé ter recebido alta da unidade de cuidados intensivos neonatais. Esta área do Hospital Mazar-i-Sharif está dotada de equipamento especializado e pessoal médico treinado para providenciar cuidados a bebés muito doentes e prematuros que precisam de cuidados intensivos – estes cuidados estão adaptados às necessidades únicas de recém-nascidos, frequentemente incluindo apoio a bebés nascidos antes do termo de gravidez, com baixo peso ao nascer, com problemas perinatais ou anomalias congénitas.

Ao longo de quatro semanas, Atoosa esteve numa incubadora na unidade de cuidados intensivos neonatais, tendo nascido às 28 semanas – três meses antes da data prevista para o parto – e com apenas 1,2kg.
“Foi muito difícil para mim ver a minha filhinha dentro da incubadora, com tubos no nariz e fios ligados a muitas partes do corpo. Eu odiava ouvir o som dos bips contantes do equipamento médico, porque me lembravam o tempo todo que a minha bebé estava muito doente. Ela parecia tão frágil. E a angústia de não saber se a minha bebé ia melhorar era como se algo me estivesse a comer por dentro”, descreve Shekiba.
A mãe de Atoosa recorda também o dia em que os médicos lhe disseram que a bebé seria transferida dos cuidados intensivos para a ala dos prematuros, uma vez que se encontrava estável - “Nem conseguia acreditar! Telefonei logo ao meu marido e disse-lhe para preparar tudo, porque o momento de regressar a casa estava a chegar”.
Integrada nas equipas da MSF no Hospital Regional Mazar-i-Sharif, desde finais de setembro de 2023, a pediatra Mónica Costeira evoca a “história inspiradora” de Shekiba e da bebé Atoosa:
“Durante mais de dois meses, Shekiba passou quase todos os momentos acordada a olhar para a filha. A aflição de ver uma criança nossa em suporte de vida, sem certezas de sobrevivência, pode ser um peso enorme. A Shekiba sentia-se, por vezes, desesperançada e não conseguia conter as lágrimas. Nesses momentos de desespero, as mães, enfermeiras e médicos davam-lhe apoio emocional. A força de Shakiba aumentou progressivamente à medida que passava mais tempo no hospital e até lhe sobrava alguma para fornecer apoio e consolo a outras mães que enfrentavam desafios semelhantes, incutindo nelas esperança.”
“Testemunhei no Hospital Regional Mazar-i-Sharif a força e resiliência incríveis das famílias e das crianças que entram pelas nossas portas”, garante Mónica Costeira.
MSF atende por mês uma média de 3.000 crianças e 546 recém-nascidos
A MSF iniciou a prestação de serviços médicos no Hospital Regional Mazar-i-Sharif em agosto de 2023, em colaboração com o Ministério de Saúde Pública, com o objetivo de reduzir as taxas de mortalidade pediátrica e neonatal nas províncias no Norte do Afeganistão.
Atualmente, a organização médica-humanitária gere a unidade de cuidados intensivos neonatais e o serviço de urgências para crianças até aos 15 anos, sustentados por um sistema de triagem para garantir que os pacientes em mais crítico estado são admitidos e que recebem os cuidados de que necessitam.
As equipas médicas da MSF no Hospital Mazar-i-Sharif atendem por mês uma média de 3.000 crianças gravemente doentes no serviço de urgências pediátricas e uma média de 546 recém-nascidos na unidade de cuidados intensivos. A taxa média de ocupação de camas tem-se mantido consistentemente acima dos 140 por cento desde que a MSF começou atividades na unidade de cuidados intensivos neonatais.
Neste momento, estão ali internadas 60 crianças, mais do dobro da capacidade existente de 27 camas. A MSF teve de mobilizar recursos adicionais para assegurar que o pessoal médico possa continuar a providenciar cuidados e atendimento personalizados a cada criança, e para reduzir os riscos de esgotamento, apesar das grandes necessidades na capacidade de resposta e do espaço limitado.
"Sonho com os momentos futuros que terei com a minha filha"
“Trabalhamos em Mazar-i-Sharif para dar resposta às necessidades críticas de cuidados de saúde da população afegã, em particular de bebés e crianças em situação de vulnerabilidade, face à procura esmagadora, à sobrecarga nos sistemas de saúde e à escassez de recursos. O nosso objetivo é garantir que todas as crianças que chegam ao hospital recebem os cuidados e o apoio personalizados de que precisam, e diminuir o número de crianças que morrem devido a doenças e condições que podem ser tratadas”, frisa a coordenadora de programas da MSF no Hospital Mazar-i-Sharif, Heidi Hochstenbach.
“A elevada taxa de ocupação de camas que vemos nos departamentos em que prestamos apoio mostra como estes serviços são tão necessários, e expõe as profundas lacunas que existem na provisão de cuidados de saúde nesta província”, refere ainda.
Aquilo que estas mães, Farida e Shekiba, estão a viver espelha as necessidades e as lacunas cruciais no acesso a cuidados de saúde que a MSF visa colmatar, providenciando cuidados e apoio especializados no Hospital Regional Mazar-i-Sharif.
“Sonho com os momentos futuros que terei com a minha filha. Sonho em escovar-lhe o cabelo, fazer-lhe lindas tranças, brincar com ela e levá-la à escola”, conta Shekiba.
A MSF trabalha no Afeganistão desde 1980 e tem continuamente ajustado os serviços que presta de forma a alinhá-los com as mudanças no contexto e as necessidades da população. O começo de serviços na província de Balkh soma-se aos outros sete projectos que a MSF gere atualmente no país. A organização médica-humanitária visa expandir gradualmente os serviços que providencia para dar resposta às necessidades da unidade de cuidados intensivos pediátricos, as alas de internamento para crianças com desnutrição grave e a ala geral de pediatria no Hospital Regional Mazar-i-Shariff.
* Nomes alterados para proteção de identidade