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Onde é o Baluchistão, no centro dos ataques Irão-Paquistão?

Uma região instável partilhada entre o Irão e o Paquistão, onde as forças de segurança de ambos os lados da fronteira lutam há anos contra grupos armados, sobretudo fundamentalistas islâmicos.

Ativistas baloches com retratos de familiares desaparecidos. A Amnistia Internacional denuncia "graves violações dos direitos humanos" no Baluchistão, dezenas de milhares de pessoas foram raptadas e milhares de cadáveres foram encontrados desde 2000, números contestados pelas autoridades paquistanesas.
Ativistas baloches com retratos de familiares desaparecidos. A Amnistia Internacional denuncia "graves violações dos direitos humanos" no Baluchistão, dezenas de milhares de pessoas foram raptadas e milhares de cadáveres foram encontrados desde 2000, números contestados pelas autoridades paquistanesas.
Anjum Naveed / AP

O Baluchistão é uma região do Paquistão com uma pequena parte do Irão, fruto de uma linha de fronteira artificial criada pelo Império britânico. Uma zona instável, onde as forças de segurança de ambos os lados da fronteira lutam há anos contra grupos armados, separatistas e fundamentalistas islâmicos.

As tensões há muito que fervilham em ambos os lados da fronteira, mas raramente degeneraram em ataques, como os desta semana, com o Irão e o Paquistão a atingirem, cada um, alvos no seu vizinho que consideram “terroristas”. Nove pessoas foram mortas em ataques aéreos paquistaneses na quinta-feira, anunciou Teerão, dois dias depois de o Irão ter atacado alvos “terroristas” no Paquistão, matando pelo menos duas pessoas.

Uma geografia hostil

O Baluchistão, no sudoeste do território paquistanês, e o Sistão-Baluchistão, no sudeste do território iraniano, partilham uma geografia hostil: planícies desérticas esmagadas pelo calor no verão, montanhas rochosas enterradas sob a neve no inverno, tudo numa zona de constante atividade sísmica.

Juntas as duas regiões têm uma área quase igual à de França (527.000 km2 em comparação com 555.000 km2 de França).

São regiões escassamente povoadas e muito pobres: mais de 15 milhões de habitantes estão divididos entre o Paquistão e o Irão. Uma parte pertence à etnia baloche, ou balúchi, também presente, mas muito minoritária, no Afeganistão.

Baluschistão é uma região árida de planícies desérticas esmagadas pelo calor no verão.
Anjum Naveed / AP

O Irão e o Paquistão partilham uma fronteira porosa de mais de 900 km no Baluchistão, atravessada por muitos traficantes. Por exemplo, a gasolina iraniana, sujeita a um embargo internacional, é trocada por produtos paquistaneses.

Os baloches, tal como a grande maioria dos paquistaneses, são sunitas, o que os torna uma minoria no Irão, uma república islâmica xiita, onde enfrentam discriminação, segundo organizações de direitos humanos.

"É uma zona complexa e rica a tem desde uma herança persa a até hindu, mas há uma parte dos baloches que são fundamentalistas islâmicos e é desses que têm partido os ataques ao Irão. E não interessa nem ao Paquistão nem ao Irão tê-los lá, explicou Maria João Tomás na SIC Notícias.

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Ameaças à segurança do Irão

Nos últimos meses ocorreram ataques no Irão reivindicados pelo grupo separatista sunita Jaish al-Adl (Exército da Justiça), incluído na lista negra do Irão - mas também dos Estados Unidos - como organização terrorista.

Onze polícias foram mortos num ataque reivindicado por Jaish al-Adl na cidade de Rask, em dezembro.

O Jaish al-Adl foi fundado no início da década de 2010, após a desintegração de um grupo semelhante, Joundallah, que durante anos realizou ataques contra as forças de segurança iranianas, mas foi enfraquecido após a captura e execução do seu líder Abdolmalek Rigi em junho de 2010.

De acordo com os media estatais iranianos, Abdolmalek Rigi foi detido em fevereiro de 2010, quando caças iranianos forçaram um avião comercial com destino ao Quirguistão a aterrar no Irão.

Separatismo e jihadismo no Paquistão

As forças paquistanesas também têm lutado contra uma rebelião separatista étnica baloche décadas, numa província que há muito se queixa de não receber uma parte justa da riqueza, especialmente hidrocarbonetos, que se encontram no seu subsolo.

Esta rebelião armada fez centenas de mortos em ataques que visaram as forças de segurança paquistanesas, mas estas são, por sua vez, acusadas de reprimir separatistas, incluindo os pacíficos, com a Amnistia Internacional a denunciar "graves violações dos direitos humanos" no Baluchistão.

Segundo a ONG “Voice of the Missing Baloch”, dezenas de milhares de pessoas foram raptadas e milhares de cadáveres foram encontrados desde 2000, números contestados pelas autoridades paquistanesas.

Desde 2014, os separatistas têm tido como alvo projetos associados ao Corredor Económico China-Paquistão (CPEC), um projeto económico de Pequim de 58 mil milhões de dólares, cujo projeto bandeira, o porto de águas profundas de Gwadar, está no Baluchistão.

Vários grupos jihadistas, desde o Daesh agora talibãs, esconderam-se no Baluchistão, onde foram cometidos ataques sangrentos, nomeadamente contra os Hazaras, um grupo étnico xiita.

Quetta, a capital do Baluchistão, há muito que alberga o principal órgão de liderança dos talibãs afegãos, ”Quetta shura", o que leva os países ocidentais a acusar Islamabad de apoiar este movimento agora no poder no Afeganistão.

Quetta, capital do Baluchistão
Arshad Butt / AP

Protestos no Sistão-Baluchistão

Também a região iraniana Sistão-Baluchistão é palco de revolta e manifestações, nomeadamente de protesto contra a discriminação de que a população afirma ser vítima do regime xiita.

A instabilidade aumentou desde o final de 2022 quando os habitantes da região se juntaram aos protestos nacionais após a morte de uma jovem, Mahsa Amini, sob custódia policial depois de ter sido presa por não cumprimento do rigoroso código de vestuário imposto às mulheres no Irão.

A repressão foi dura. Segundo a Amnistia Internacional, a 30 de setembro de 2022, mais de 80 pessoas foram mortas quando as forças de segurança abriram fogo contra um protesto em Zahedan, a principal cidade do Sistão-Baluchistão. Segundo esta ONG, pelo menos 19% das execuções no Irão são pessoas da minoria baloche, que representa menos de 3% da população iraniana.

Em outubro de 2023, a Amnistia voltou a denunciar “nova onda de violência e repressão” contra elementos da etnia baloche no Sistão-Baluchistão.

Xiitas e sunitas

No mundo muçulmano, do norte de África à Indonésia, o sunismo e o xiismo, com derivações, constituem as duas grandes correntes do Islão, com o sunismo seguido por mais de 80% dos cerca de 1,5 mil milhões de crentes.

O cisma entre estas duas correntes religiosas tem origens remotas, na sequência da morte do profeta Maomé em 632 (século VII), na atual Arábia Saudita, um país que permanece a grande referência do sunismo na sua estrita variante wahabita.

O sunismo (de “sunna”, os preceitos baseados nos ensinamentos de Maomé), que prevaleceu maioritário nas suas diversas expressões, sugere genericamente que qualquer fiel poderia ser o sucessor do profeta após o necessário consenso entre a comunidade islâmica.

O xiismo (o "partido de Ali"), defende pelo contrário a sucessão "dinástica", uma linha sucessória, apesar de no islamismo clássico não existir o conceito de hierarquia.

Quatro países com maioria xiita

Atualmente existem apenas quatro países com maioria de população xiita: o Irão, principal referência sobretudo após a revolução islâmica de 1979 (93,6%), o Iraque (66,92%), o Bahrein (74,29%) e o Azerbaijão (85%).

O xiismo está ainda presente de forma significativa no Iémen (45%) - um país onde a Arábia Saudita se envolveu na guerra civil e tem combatido os houthis xiitas -, no Líbano (43,59%), com destaque para o poderoso movimento radical Hezbollah, envolvido na guerra da Síria ao lado das forças do Presidente Bashar Al-Assad (da minoria alauita, uma derivação do xiismo), no Kuwait (30%), ou na Turquia (21%), através da minoria alevita, outro ramo desta corrente religiosa.

Nos turbulentos Afeganistão e Paquistão, o xiismo é seguido respetivamente por 19,3% e 24% dos crentes. Na Arábia Saudita, constituem cerca de 15% da população.

Jihadistas radicais reclamam-se do sunismo

Os grupos jihadistas mais radicais reivindicam-se do sunismo, incluindo a Al-Qaeda e o grupo extremista Daesh (autodenominado Estado Islâmico), o Hamas, a formação palestiniana fundamentalista que domina a Faixa de Gaza.

Muitas destas correntes têm merecido o apoio político e financeiro da Arábia Saudita, a grande referência do sunismo no mundo árabe.

Com agências e Enciclopédia Britânica