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Exército israelita admite erro no ataque a comboio humanitário e demite dois comandantes

Relatório mostra sucessão de erros, suspeitas sem fundamento e quebras de protocolo que levaram o exército a assumir que os homens que conduziam uma missão humanitária eram uma ameaça.

Exército israelita admite erro no ataque a comboio humanitário e demite dois comandantes
Ismael Abu Dayyah

Israel divulgou os resultados da investigação preliminar ao ataque de segunda-feira que atingiu viaturas da organização World Central Kitchen (WCK), provocando a morte a sete trabalhadores humanitários. O exército já tinha admitido o “erro grave”, mas no relatório divulgado esta sexta-feira justificam as suas ações ao pormenor.

“As conclusões da investigação indicam que o incidente não devia ter ocorrido”, afirmam esta sexta-feira as Forças de Defesa de Israel (IDF), citadas pela Sky News. O ataque tem origem “numa falha de identificação errada, erros no processo de tomada de decisão” e ações contrárias aos procedimentos habituais.

Os soldados israelitas “acreditavam que os veículos que se dirigiam para um armazém em Deir al-Balah transportavam “homens armados do Hamas", descreve o relatório, com base nas comunicações rádio dos militares.

Eram, na verdade, trabalhadores humanitários que estavam a transportar 300 toneladas alimentos descarregadas de um navio proveniente do Chipre, um dos maiores carregamentos de ajuda humanitária destinada a Gaza até à data.

A operação foi coordenada com a entidade responsável pela gestão de fronteiras – a Coordinator of Government Activities in the Territories (COGAT) a quem foi transmitida previamente informação com a descrição das viaturas.

A COGAT transmitiu todas essas informações à divisão do exército israelita encarregue de supervisionar vigilância com drones armados durante esse período, mas os operadores dos drones cometeram um "erro operacional de avaliação da situação".

As suspeitas começaram quando um dos membros da equipa militar viu um homem armado no topo de um dos camiões, que terá começado a disparar, presumivelmente para manter a multidão afastada, pessoas famintas que se atravessam no caminho dos comboios que transportam os donativos.

Depois, as viaturas chegaram a um armazém e entrou numa delas um segundo homem armado.

Apesar terem visto que se tratava de um camião da WCK, as IDF assumiram de imediato que os homens armados se tratavam de milícias do Hamas. No entanto, apesar das dúvidas, e depois de tentativas falhadas para contactar a organização não-governamental e a COGAT, o procedimento a seguir nestas situações é para não disparar.

“Aos olhos do operador de drone, há homens armados perto de um comboio de viaturas, mas tem uma ordem: não disparar sobre homens armados se estiverem perto de ajuda humanitária”, descreve o relatório da investigação.

Quando os veículos da WCK saem do armazém, há agora 450 drones a monitorizá-los.

Um dos quatro veículos faz um desvio - não previsto - para norte e quando chega a um segundo armazém quatro homens saem do carro. Segundo a Sky News, as imagens de vigilância mostram que levam objetos nas mãos, mas não é possível ter a certeza que são armas.

Os outros três carros seguem para sul – o caminho previsto para a missão da WCK - mas agora os operadores de drones acreditam que os trabalhadores humanitários ficaram no armazém e identificam pelo menos dois homens armados, além de outros que suspeitam estar armados, como uma ameaça.

“Nesta altura há uma falha de classificação. Eles são um alvo aos olhos do operador, um erro”, pode ler-se no relatório.

Além disso, perto da meia-noite, nesta altura já não é possível ver através das câmaras de vigilância a identificação da WCK no tejadilho dos carros. “Foi um fator chave”, aponta o documento.

Assumindo que a missão humanitária acabou, e vendo as viaturas dirigirem-se para longe do armazém em direção ao mar, os dois responsáveis - um coronel e um major - dão ordem para disparar.

Depois do primeiro míssil cair sobre um dos carros, duas pessoas tentam fugir, mas acabam por ser atingidas por outros dois mísseis disparados por drones, apesar de não ter sido dada nova ordem para abrir fogo. O resultado é a morte de todos os ocupantes das viaturas, sete trabalhadores humanitários.

A investigação conclui que não havia provas suficientes para considerar as viaturas um alvo legitimo e o lançamento do segundo e terceiro mísseis não seguiram o protocolo.

Os dois comandantes envolvidos na operação foram suspensos e outros dois repreendidos. Ainda está por decidir a eventual abertura de um procedimento criminal.

As vítimas eram três cidadãos britânicos, um cidadão polaco, um australiano, um canadiano com dupla nacionalidade americana e um motorista palestiniano, todos a trabalhar para a WCK, a instituição de solidariedade internacional fundada pelo chef José Andrés.