Um especialista do ‘think tank’ Carnegie Endowment for International Peace considerou a decisão do Presidente do Cazaquistão de pedir ajuda internacional como uma “jogada arriscada” por envolver a Rússia, um parceiro “imprevisível e muitas vezes não confiável”.
“A chegada das tropas russas ao país já suscitou preocupações em alguns círculos sobre o futuro da soberania do Cazaquistão”, escreveu Paul Stronski, especializado nas relações entre a Rússia e os países vizinhos da Ásia Central e do Sul do Cáucaso.
Stronski alertou para a possibilidade de a presença de tropas russas poder “incendiar ainda mais” a situação no país, onde os “sentimentos nacionalistas cazaques” têm aumentado nos últimos tempos.
Além disso, escreveu, poderá “comprometer qualquer legitimidade interna” que possa restar ao Presidente do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev.
O Cazaquistão vive uma situação caótica desde o início do mês, com tumultos em várias cidades que eclodiram após uma subida dos preços dos combustíveis.
Os protestos têm sido reprimidos pelas forças de segurança, com um saldo de dezenas de mortos e milhares de feridos e de detidos.
Para tentar acalmar a revolta, Tokayev demitiu o governo e recuou no aumento dos preços dos combustíveis, mas acabou por pedir ajuda à Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC).
O Ministério da Defesa russo anunciou esta sexta-feira que enviou mais de 75 aviões de transporte militar com as unidades russas do “contingente de paz” da OTSC
“Para já, o aeroporto de Almaty está totalmente sob controlo das nossas forças e da polícia do Cazaquistão”, disse um porta-voz do ministério em Moscovo.
Num sinal de força após a chegada das tropas da OTSC, Tokayev anunciou que autorizou o uso de força letal sem aviso prévio contra os manifestantes.
“Dei ordem aos órgãos da polícia e ao Exército para disparar a matar sem aviso prévio”, disse Tokayev num discurso televisivo, acrescentando que os “terroristas continuam a danificar bens e a usar armas contra os cidadãos”.
Os Estados Unidos anunciaram, na quinta-feira, que vão acompanhar com atenção o envolvimento das tropas da OTSC para verificar qualquer violação dos direitos humanos ou tentativa de “assumir o controlo” de instituições cazaques.
No seu comentário, Paul Stronski notou que a Rússia e a OTSC estão a “limitar o seu papel à segurança de bens essenciais para permitir às forças de segurança cazaques enfrentar a violência”, mas o que se segue é imprevisível, dada a situação explosiva no país da Ásia Central.
O analista considerou que a era do antigo presidente e líder da nação Nursultan Nazarbayev – que, entretanto, abandonou a presidência do conselho de segurança – “chegou ao fim”, havendo informações não confirmadas de que a sua família terá abandonado o país.
Quanto a Tokayev, ao tentar desacreditar os manifestantes, dizendo que são criminosos armados e terroristas controlados do exterior, “pode estar a tentar justificar o seu apelo à assistência da OTSC e chegar aos moderados dentro do país que estão genuinamente chocados com a violência das ruas”.
“Mas o contrato social entre o Estado e o povo tem sido visivelmente quebrado. Para que o Cazaquistão regresse ao caminho da estabilidade, é necessária uma verdadeira reforma, embora não esteja claro quem estará por perto e quem será capaz de fazer passar essa mudança”, acrescentou Paul Stronski.
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