Olhares pelo Mundo

“O recife de coral é o meu coração e a minha alma"

O branqueamento dos recifes de coral nas águas da Tailândia está a atingir níveis alarmantes, com quase todos os corais a morrer devido ao aumento das temperaturas do mar causado pelo aquecimento global.

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Pescadores e biólogos marinhos de Chanthaburi, na Tailândia, relatam uma rápida deterioração dos corais, o que ameaça a biodiversidade marinha e a subsistência das comunidades locais.

Nos últimos cinco anos, o pescador tailandês Sommay Singsurathe diz ter observado um declínio preocupante nas águas da sua cidade natal, na província de Chanthaburi, localizada a cerca de 250 km a sudeste da capital Banguecoque.

Quase todos os recifes de coral transformaram o fundo do mar que agora está branco.

“Veja, ficou tudo branco. Nunca esteve tão branco como agora”, disse Sommay ao olhar para o mar a partir do seu barco de pesca.

Este homem de 54 anos é um dos cerca de 200 pescadores que vivem na praia de Chao Lao, em Chanthaburi. Como pescador de terceira geração, ele espera dar continuidade ao legado pesqueiro transmitido pelo seu pai e avô há mais de 30 anos.

Mas o aquecimento global e o aumento da temperatura do mar ameaçam mudar esta situação.

“(O recife de coral) é o meu coração e a minha alma. Se todos os corais morrerem, vamos ter problemas. As pequenas criaturas que vivem em áreas rasas migrarão todas para outros lugares.”

Sommay diz que costumava ganhar até 10 mil baht (cerca de 270 euros) por dia com as suas capturas, mas nos últimos tempos apenas consegue 2 mil baht (cerca de 50 euros) ou mesmo nada em alguns dias.

A província de Chanthaburi é das mais importantes fontes de frutos do mar da Tailândia, em particular caranguejos azuis e uma variedade de pequenos peixes, que são distribuídos para os mercados de Banguecoque e exportados para países vizinhos, como Vietname e China.

As comunidades de corais fornecem abrigo e alimento para a vida marinha, razão pela qual a deterioração dos recifes pode ter um impacto significativo na biodiversidade marinha, resultando na redução da diversidade e da população de peixes.

“Não consegui encontrar um único coral saudável”

Neste mês de maio, as autoridades tailandesas fecharam 12 dos seus parques marinhos depois de ter sido descoberto um branqueamento generalizado de corais. Este encerramento serve para limitar o efeito de atividades humanas como protetores solares tóxicos, o espezinhar e o lixo nos recifes de coral.

Com os recifes de coral da Tailândia a branquearem gradualmente diante dos seus olhos, os biólogos marinhos do Departamento de Recursos Marinhos e Costeiros (DMCR) estão profundamente preocupados com o ritmo rápido da perda.

“Não consegui encontrar um único coral saudável. Quase todas as espécies foram branqueadas, há muito poucas que não foram afetadas”, disse à Reuters a bióloga marinha do DMCR, Lalita Putchim, após um mergulho para avaliar a saúde dos corais na província de Trat, que faz fronteira com Chanthaburi.

De acordo com dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA)deste ano, a temperatura da superfície do mar no Golfo Oriental da Tailândia alcançou um recorde de 32,73 graus Celsius desde 1985 e as temperaturas subaquáticas são ligeiramente mais quentes, em cerca de 33 graus Celsius.

“Chamamos (a atual situação climática) ‘ebulição global’, e não apenas aquecimento global”, disse Lalita.

O DMCR afirma que 50% dos corais no Golfo da Tailândia e 30% dos corais no Mar de Andaman estão a sofrer branqueamento.

Lalita diz esperar que a próxima temporada de monções, que traz tempestades e chuvas, ajude a arrefecer as águas quentes e proporcione alívio ao recife de coral.

“Os corais sobreviveram muitas centenas de anos, por isso espera-se que possam suportar (o clima)”.

Quarto evento global de branqueamento devido às alterações climáticas

A 15 de abril, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA) confirmou que os recifes de coral do mundo estavam a passar por um quarto evento global de branqueamento devido às alterações climáticas.

O branqueamento é desencadeado pelas águas oceânicas mais quentes, que fazem com que os corais expulsem as algas coloridas que vivem nos seus tecidos e fiquem brancos. Um coral branqueado pode recuperar se as águas arrefecerem, mas se a temperatura do oceano permanecer elevada durante períodos mais longos, ele morrerá.

Os cientistas receiam que muitos recifes de coral morram este ano, após meses de calor recorde nos oceanos, alimentado pelas alterações climáticas provocadas pelos combustíveis fósseis e pelo padrão climático El Niño.

Os cientistas dizem que a melhor oportunidade para a sobrevivência dos corais é o mundo reduzir as emissões de gases com efeito de estufa para limitar as alterações climáticas. Mas dado que as atuais temperaturas globais já são 1,2 graus Celsius mais altas do que os níveis pré-industriais, alguns cientistas pensam que o mundo já ultrapassou um limiar fundamental para a sobrevivência dos recifes de coral.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUMA), até 90% dos corais nos recifes poderão morrer até 2050 sem medidas drásticas para limitar o aquecimento global a 1,5°C.

O que é o fenómeno El Niño?

O El Niño ocorre em média a cada dois a sete anos e os episódios duram geralmente entre nove a 12 meses.

Trata-se de um fenómeno climático natural associado ao aumento das temperaturas da superfície no centro e leste do Oceano Pacífico tropical. Mas o episódio atual, "no entanto, insere-se no contexto de um clima alterado pelas atividades humanas", sublinha a OMM.

O El Niño é geralmente associado ao aumento da precipitação em partes do sul da América Latina, sul dos Estados Unidos, Corno da África (nordeste africano) e Ásia central.

Pode também causar secas severas na Austrália, Indonésia, partes do sul da Ásia e América Central, enquanto as águas mornas alimentam furacões no Pacífico central e oriental e travam a formação destes na bacia do Atlântico.