A escolha do sucessor do Dalai Lama, figura central do budismo tibetano e símbolo da resistência à ocupação chinesa, está envolta em misticismo e em disputas geopolíticas. Com o atual Dalai Lama a completar 90 anos, cresce o interesse - e a tensão - sobre quem lhe seguirá.
O atual Dalai Lama, líder espiritual do budismo tibetano e laureado com o Prémio Nobel da Paz em 1989, completa 90 anos a 6 de julho. A sua influência ultrapassa as fronteiras do Tibete e do próprio budismo, sendo visto como um símbolo global de paz e resistência.
A sucessão do Dalai Lama é um tema que vai muito além da esfera religiosa. Interessa também à China, à Índia e aos Estados Unidos, todos com interesses estratégicos na região dos Himalaias.
Como foi escolhido o atual Dalai Lama?
De acordo com a tradição tibetana, a alma de um Lama reencarna no corpo de uma criança, que é depois identificada por sinais espirituais.
O atual Dalai Lama, o 14.º, nasceu Lhamo Dhondup em 1935, numa família de agricultores no nordeste do Tibete. Aos dois anos, foi identificado como a reencarnação do 13.º Dalai Lama, após um grupo de monges enviados pelo governo tibetano ter observado vários sinais, nomeadamente quando a criança identificou objetos pessoas do 13.º Dalai Lama e disse: "É meu, é meu".
Em 1940, Lhamo Dhondup foi foi levado para o Palácio de Potala, em Lhasa, capital da atual Região Autónoma do Tibete, onde foi oficialmente entronizado como líder espiritual dos budistas.
Porque se discute já a sucessão?
Normalmente, o processo de escolha de um novo Dalai Lama só começa após a morte do anterior.
"Geralmente, enquanto um Lama está vivo, não há qualquer conversa sobre a sua reencarnação. Esta conversa só acontece quando o Lama morre. Mas a discussão está a acontecer neste momento principalmente porque o governo chinês está a interferir na reencarnação de Sua Santidade o Dalai Lama", disse à Reuters Thupten Ngodup, o Oráculo do Estado tibetano, que participará no processo de sucessão
O atual Dalai Lama vive exilado na Índia desde 1959, após uma revolta falhada contra o domínio chinês do regime comunista de Mao Tsé-Tung.
No livro "Voz para os Sem Voz", publicado em março de 2025, afirmou que o seu sucessor não nasceria na China, , mas sim num país onde exista liberdade religiosa.
“Se o meu sucessor tiver de continuar o meu trabalho, não poderá nascer num lugar onde o povo tibetano não é livre”, declarou.
Quem poderá escolher o próximo Dalai Lama?
O parlamento tibetano no exílio, sediado em Dharamsala, no norte da Índia, estabeleceu um sistema para garantir a continuidade do trabalho do governo exilado e da liderança espiritual.
A Fundação Gaden Phodrang, estabelecida pelo Dalai Lama em Zurique, em 2015, está encarregada de encontrar e reconhecer a nova reencarnação.
Qual é a posição da China?
A China reclama o direito de aprovar a escolha do próximo Dalai Lama, evocando práticas antigas como o uso da chamada “urna de ouro”, instituída no século XVIII durante a dinastia Qing, que teria legitimado reencarnações anteriores.
As autoridades chinesas afirmam que a reencarnação do Dalai Lama deve ser decidida de acordo com as leis nacionais e que qualquer reencarnação deve nascer dentro das fronteiras da China.
Os tibetanos veem essa exigência como uma tentativa de controlo político.
"A interferência do governo chinês no processo de reencarnação é muito ridícula, porque o próprio governo é ateu. Não acredita na religião. E o processo de reencarnação é predominantemente religioso", disse à Reuters Thupten Ngodup.
Pequim classifica o Dalai Lama como “separatista” e proíbe qualquer manifestação pública de devoção ou exibição da sua imagem.
Em março de 2025, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da China reafirmou que o Dalai Lama é um “exilado político” sem legitimidade para representar os tibetanos.
A China nega ter reprimido os direitos do povo tibetano e afirma que o seu governo pôs fim à servidão e trouxe prosperidade a uma região atrasada.
Qual o papel da Índia e dos EUA?
Além do próprio Dalai Lama, a Índia acolhe atualmente cerca de 100 mil tibetanos no exílio que ali têm liberdade para estudar e trabalhar.
A sua presença em território indiano confere a Nova Deli influência adicional numa região em que a rivalidade com a China é crescente.
Os Estados Unidos também têm reiterado o apoio à causa tibetana. Vários responsáveis norte-americanos já afirmaram que não aceitarão qualquer tentativa de Pequim de controlar a sucessão do Dalai Lama.
Em 2024, o então presidente Joe Biden assinou uma lei que pressiona o governo chinês a negociar com os representantes tibetanos no exílio, com vista a uma maior autonomia para o Tibete.