Manuel Alegre é uma figura incontornável da política portuguesa e da história democrática nacional. Resistente anti-fascista, teve um papel fundamental entre a imensa comunidade de portugueses que viveu no exílio. É um poeta-escritor de mérito reconhecido, o que não significa consensual, e é um tribuno talentoso com uma voz que mete respeito. Homem de afectos, Alegre é conhecido por ser amigo do seu amigo, inteligente e perspicaz. Será sensível mas nem sempre é cortês. Raramente não é educado. Quase nunca afável com quem mal conhece. Sempre foi conhecido por ser corajoso. Até à última terça-feira. O dia em que trocou a coerência pelo receio.
Alegre desilidiu uma imensa maioria de sonhadores. Os que sendo da esquerda ou da direita - porque aqui a ideologia política pouco interessa - olharam para o deputado poeta com um misto de inveja e saudade. Inveja por não poderem avançar para a aventura a que se propunha de forma apaixonada, saudade dos velhos tempos em que não havia calculismos e taticismos e tudo se fazia em nome do sonho e da convicção, sem medo de derrotas. Os tempos do "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena" de Fernando Pessoa. Depois de criar uma expectativa quase tão tensa e emocionante como o final de um bom filme de aventuras, acabou por provocar um anti-clímax que desiludiu. Os sonhadores acordaram tristes e revoltados, tinha-se perdido mais uma oportunidade e uma esperança em dias diferentes.
Alegre disse no seu conto cheio de metáforas -O quadrado, Jornal Expresso-, e bem, que não há donos de nada nem de ninguém, muito menos da República. Era o que faltava! E alertou para o perigo de se perderem os afectos. É muito perigoso sim senhor, mas é coisa que não falta por aí. Prometeu que continuaria a resistir contra todas as intimações e intimidações, e lembrou, com propriedade, que "um homem não se rende, seria aliás uma grande falta de educação" . Ficámos agora a perceber que o aforismo só se aplica se não estiver em causa a divisão da esquerda. Ora essa! Um homem não se rende e ponto final. A esquerda é uma coisa muito vasta onde cabem muitas coisas, e defendê-la de forma genérica é cair na demagogia e no populismo. E a esquerda não ficaria melhor respresentada se um dos seus ícones maiores aceitasse o desafio de partir em busca dos apoios que faltavam, mesmo que isso representasse uma derrota?
Há duas estrofes de um poema de Manuel Alegre, Trovas do Vento que Passa, que ilustram bem o comportamento dos últimos dias.
A coisa começou com um corajoso:
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
e acabou num pouco honroso:
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
É pena que antes de desistir sem honra nem glória e com uma enorme falta de educação - quando resistiu tanto, só, no seu quadrado, sem saber em que guerra estava e consciente da falta de apoios alargados- não se tenha inspirado num dos maiores pensadores que a pátria pariu:
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
MAR PORTUGUÊZ
Fernando Pessoa