Não é um programa completo, no sentido em que não se deteve em todas as áreas, nomeadamente nas de soberania. Detém-se sobretudo nos domínios económico e social, mas é aqui que as escolhas de políticas públicas são politicamente determinantes. Consciente do risco político que o documento dos 12 coloca, António Costa fez questão de lembrar que o relatório não é uma bíblia nem os 12 os apóstolos. Defendeu o primado da política sobre os tecnocratas e atreveu-se mesmo a dizer que «estamos todos cansados de ser governados por modelos macroeconómicos». Pois o que o PS colocou em cima da mesa é mais do que um modelo macroeconómico, mas não deixa de ser um modelo macroeconómico. O relatório já é tratado pelo próprio secretário-geral como «programa». O equívoco será sedutor. Parece ser já o programa eleitoral do PS (prometido para Junho) não o sendo ainda. Parece ter sido já assumido pelo PS, mas será ainda apenas o relatório dos economistas escolhidos por Costa. O equívoco permite grande elasticidade na argumentação socialista. Em qualquer caso, tem uma grande virtude: introduz substância e contraste no debate político, mesmo que seja tentador ignorar a substância das propostas a favor da retórica mais rasteira.
Independentemente da valia das propostas, o PS marcou pontos. Tem ideias para debate, que resultam de estudos concretos, preencheu algum vazio do discurso socialista e mostra alternativas à governação da maioria.
Deixámos de ter manifestos de economistas para termos medidas concretas apontadas ao país. A política não é uma questão técnica, mas credibiliza-se pelo estudo das variáveis em presença. O Governo e a maioria acusaram esta mudança qualitativa. Só ontem, foram cinco os membros do governo que se mobilizaram para responder à iniciativa socialista: primeiro-ministro, vice-primeiro-ministro, ministra das Finanças, ministro da Economia, ministro da Defesa... Contundentes, às vezes demagógicos, acabaram por chamar a atenção para o contraste. Até aqui, tinhamos um governo que tinha feito opções no Orçamento do Estado, no Programa de Estabilidade e no Plano Nacional de Reformas. Do lado do PS, pouco mais do que críticas sem alternativas. Agora, mesmo sem assumidos programas eleitorais, há alternativas claras. E isso é um benefício significativo para o país.
É pouco rigoroso dizer que temos pela frente um duelo económico entre liberais e keynesianos. Há muita impureza e virtudes incertas nestes cenários. Na aparência, o cenário do PS é mais simpático, mais optimista, distribui mais rendimentos e promete melhores resultados. Também por isso pode ser menos confiável. Para quem tanto pintou de negro o trajecto seguido até aqui corre agora o risco de passar a ideia de que é fácil sair da crise. Ao contrário, PSD e CDS estão colados à austeridade, prolongam cortes, parecem ver mais dificuldades no horizonte, apesar dos ‘cofres cheios’, e não acreditam em caminhos alternativos. A verdade é que agora temos ideias alternativas. Já não acontecia há muito. Ainda serão incompletas, mas merecem, exigem, ser discutidas, testadas. Os chavões tremendistas serão inevitáveis, mas os partidos têm a obrigação de discutir com seriedade as opções que temos pela frente. Não lhes faltará uma base fundamentada. E não lhes faltará tempo. Haja vontade!
Um tema vai estar no centro do debate: a Taxa Social Única e a segurança social. Numa sociedade tão envelhecida como a nossa, com óbvios problemas de sustentabilidade, diminuir as contribuições de empresas e trabalhadores ou fazer «poupanças» no orçamento da segurança social não será a via ideal para resolver problemas da economia. Bagão Félix alertou ontem na SIC Notícias para o risco de se violar o contrato social. A TSU tem um fim concreto. Deveria ser estável e previsível. Mas este é um
bom tema que justifica esclarecimento e debate. É uma questão política por excelência, que necessita do contributo de especialistas, nomeadamente dos economistas. E a atenção de nós todos.
Enquanto isto, Marcelo Rebelo de Sousa não perde tempo. O ideal seria um modelo misto que combine ideias do PS com as dos partidos do governo. Ainda não é candidato assumido a Presidente da República e já lhe veste a pele...
*O título é pedido emprestado a Mário de Carvalho