O Faria estava sempre a falar.
Falava pausado, pensava sempre na palavra seguinte, mesmo que quando a fosse dizer não fizesse sentido nenhum.
Mas, apesar de estar sempre a falar, o Faria nunca era aborrecido. Contava histórias, refletia sobre tudo, partilhava sentimentos e emoções, dava conselhos, estava atento.
O Faria era um sedutor, um 'charmeur', sempre de olho brilhante, a compor permanentemente o cabelo que invariavelmente teimava em cair-lhe pela cara. Ele sabia disso e o gesto tornou-se marca.
O Faria era um homem grande, e bom, e generoso, e amável. Um extraordinário companheiro de trabalho, um ser humano altruísta, uma alma cheia e um espírito de aventura, de conquista, sempre pronto para enfrentar o desconhecido e arriscar.
O Faria, como estava sempre a falar, fazia amigos para a vida depois de uma conversa de dois minutos. Quebrava o gelo, interpelava pessoas, acolhia quem viesse na sua infindável paciência e no seu abraço firme.
O Faria era excessivo. Em quase tudo.
Mas os excessos faziam dele uma pessoa tão diferente, tão peculiar, tão generosa, tão grande. Imensa. Quem alguma vez se cruzou com o Faria, nunca mais esqueceu o Faria.
O Faria nunca desistia, nunca desanimava, nunca cobrava, nunca pedia, nunca exigia. Dava. Dava tudo. Dava-se a ele.
Dava o talento, a amizade, o amor, a camisa, o dinheiro.
Sei que quando alguém morre, só lhe vemos virtudes.
O Faria não precisou de morrer para isso.
Os que tiveram a felicidade de se cruzar com ele, como eu, sabem que não há nestas linhas, apesar de tristes, qualquer exagero.
Há alguns dias, naquela que seria a última vez que o veria, despedimo-nos da forma como sempre nos cumprimentávamos e sempre nos despedíamos:
- «Rroftë Shqipëria»
Eles não sabem o que isto quer dizer, Faria.
Mas eu e tu sabemos e é isso que me importa agora.
Até breve, meu amigo.
Nota do Autor:
Fernando Faria foi repórter de imagem da SIC durante mais de duas décadas.
Morreu hoje, em Pemba, Moçambique, no lugar do planeta que mais amava e onde se sentia em casa.