O ainda Presidente da República aproveitou o fim da sua última Festa do Livro, nos jardins do Palácio de Belém, para, em jeito de bucólico balanço do que foram os seus mandatos, dizer que "Portugal tem tido uma estabilidade apreciável, porque em dez anos teve verdadeiramente dois primeiros-ministros, um dos quais oito anos e meio. É uma apreciável estabilidade".
É um facto que entre 2016, quando foi eleito pela primeira vez, e o dia de hoje, só ocuparam a liderança do governo António Costa e Luís Montenegro. Marcelo tem razão nos factos. Mas não tem razão na conclusão que tira.
Se há coisa que não temos tido em Portugal é estabilidade política.
Entre 2019 e este ano de 2025 tivemos eleições legislativas quatro vezes (2019, 2022, 2024, 2025), três delas causadas por crises políticas que levaram à queda dos governos, dissolução da Assembleia da República e convocação de eleições legislativas antecipadas.
Foram crises atrás de crises, demissões atrás de demissões, casos atrás de casos, campanhas eleitorais atrás de campanhas eleitorais, transformando mesmo Portugal num dos países europeus com mais eleições em tão curto espaço temporal.
No mesmo período, e talvez não por acaso, o partido antissistema, que veio para partir tudo, passou da eleição de um deputado na Assembleia da República para os 12, depois 50 e finalmente 60 parlamentares, com tudo o que isso significa de instabilidade e crise política evidente, e mesmo de regime, que todos sentimos. Todos menos Marcelo, aparentemente.
Claro que dificilmente se pode culpar Marcelo pelas crises. Uma surgiu de um inédito chumbo de um Orçamento do Estado, que levaria a uma crise política inevitável, e duas crises resultaram de casos políticos graves relacionados com imbróglios políticos e judiciais envolvendo diretamente o líder do Governo (a Operação Influencer e o caso Spinumviva).
Mas o resultado final é o que é. Instabilidade em cima de instabilidade. Crise em cima de crise.
Estabilidade apreciável? Só mesmo na cabeça de Marcelo, numa penosa tentativa de pintar um quadro que não corresponde à realidade.