Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

Saúde e Bem-estar

Doenças entre o medo, interesses e os mass media   

A propagação internacional da varíola dos macacos trouxe surpresa e preocupação. Não bastavam dois anos de Covid-19 e da enorme discussão sobre como encarar as vagas que se seguem, como ainda surgem novas doenças que teimam em atrasar o regresso à vida normal.

Doenças entre o medo, interesses e os mass media   

Nestes tempos considerados estranhos, ouvem-se várias expressões que mostram uma forma polarizada de entender o que estamos a viver. Por um lado, uma ideia quase fatalista de que “o mundo está perdido”, como se agora vivêssemos uma vida condenada ao sofrimento. Por outro, a ideia de que as doenças não passam de artifícios, tanto da comunicação social para ganhar audiências, como da indústria farmacêutica para ganhar dinheiro ou ainda dos governos para fins de geopolítica internacional.

Tal como noutras coisas, esta polarização apenas consegue captar partes da realidade que ampliam certos problemas, ignoram outros e que no fundo deturpam o modo de entender a complexidade da vida coletiva global.

É verdade que vivemos mais confrontados com doenças e problemas que ameaçam a nossa saúde e bem-estar? É verdade que a nossa vida está cooptada por grupos de interesses financeiros, políticos e de opinion making? Sim e não é a única resposta possível para perguntas complexas. Vejamos:

  1. É difícil convencer alguém de que as doenças fazem parte da normalidade quando o mundo tenta sair duma pandemia que provocou uma situação sem precedentes. Mas a verdade é que várias epidemias, pandemias e endemias atravessam a história da humanidade até hoje. Pensemos nas inúmeras pestes, gripes, ébola, febre tifoide, malária, dengue, sida, entre outras. Portanto, não se pode assumir que viver em pandemia seja uma situação anormal.

Ainda assim, a estupefação causada pela Covid-19 tem alguma razão de ser. A expectativa do cidadão comum é que a ciência de hoje tivesse tido a capacidade de dar melhores respostas do que no passado. E em boa verdade teve: anteviu uma pandemia com estas características em 2018 e produziu vários tipos de vacinas seguras e efetivas em tempo nunca antes visto.

Mas o que não se pode pedir à ciência é que dê soluções para problemas que são políticos e económicos. Vivemos numa interdependência global para a qual os mecanismos políticos existentes não chegam para evitar contágios, manter o necessário grau de preparação, agir rapidamente e conter os danos causados.

Repito: o que está em causa não é a falta de conhecimento sobre o que precisa ser feito; é garantir que se faz o que se sabe que precisa ser feito.

  1. Não é possível ter uma visão ingénua sobre os interesses políticos e económicos que gravitam em torno das agendas de investigação científica. Sim, o que se investiga e como se investiga, logo as soluções para a melhoria da vida, dependem de influências que ultrapassam a boa vontade e o voluntarismo dos cientistas.

O que isso exige é melhores respostas políticas e de regulação; não a apologia do negacionismo científico. Se há conforto que o cidadão comum pode ter é que a vigilância mútua e a competição entre cientistas e universidades são ótimos mecanismos de monitorização da qualidade e da segurança da evidência científica.

  1. Sobre a comunicação social, é certo que a concorrência, o peso dos acionistas e modelos editoriais mais padronizados podem suscitar críticas sobre o modo de produzir e transmitir informação. Por outro lado, tal como na ciência, a regulação, a vigilância mútua e a competição dão segurança ao grande público.

Passo por cima das críticas mais pontuais para valorizar o papel que a comunicação social tem tido durante a pandemia. O excesso de informação nalguns momentos e a necessidade de correr atrás de tudo noutros não beliscam a verificação das fontes, a procura do contraditório e a motivação de responder a perguntas legítimas.

O que também ficou claro é que o público tem capacidade de avaliar o que merece ser lido, ouvido e visto e o quanto a aparente liberdade de outros espaços – como as redes sociais – escondem agendas, frustrações, manipulações, impunidade e uma pressão para a horizontalização do conhecimento que em pouco ajuda ao exercício de uma democracia crítica e atenta.