País

Incêndio de outubro foi o mais grave de sempre na Europa

O incêndio, que em outubro matou 48 pessoas e devastou milhares de hectares no centro do país, foi de tal maneira violento que foi o mais grave registado na Europa, desde sempre, e no mundo, no ano passado.

Tondela
Tondela
LUSA

As conclusões foram conhecidas esta terça-feira, no relatório da Comissão Técnica Independente, encomendado pelo Governo e entregue esta tarde na Assembleia da República.

O documento explica que os incêndios ganharam proporções gigantescas com a seca severa, a força do vento e o furacão Ophelia.

As ignições de 15 de outubro provocaram as sete manchas ardidas na região centro, cada uma dela com mais de 10 mil hectares. Da superfície queimada, 78% foi floresta. Quase metade não ardia há mais de 40 anos.

A comissão defende a criação de uma unidade de missão para reorganizar os corpos de bombeiros, tendo em conta as vulnerabilidades existentes, que se vão agravar no futuro.

O Governo é o principal visado no relatório. Em causa está a redução dos meios de combate aos fogos, numa altura em que o risco de incêndio ainda era elevado.

Praia da Vieira, Marinha Grande
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A "fiscalização" das recomendações

O presidente da comissão admitiu esta terça-feira que as recomendações feitas pelos especialistas só terão efeitos a "médio e longo prazo" e que devem ser acompanhadas para serem cumpridas.

"As recomendações que forem aceites [pelo Governo] devem ter uma avaliação e acompanhamento para que não se percam no meio das tarefas da administração", alertou João Guerreiro, em declarações aos jornalistas, no parlamento, após entregar o relatório sobre os incêndios de outubro na região centro, que fizeram 48 mortos.

O responsável admitiu ainda que as recomendações não terão efeito imediato. "Gostaríamos que tivessem, mas não é fácil", reconheceu.

Moita da Serra, Arganil
PAULO NOVAIS

As dificuldades dos municípios no socorro

Os grandes fogos revelaram as dificuldades que os municípios têm para liderar procedimentos relacionados com a emergência e o socorro, designadamente em resultado dos incêndios rurais.

De acordo com o documento da comissão, o inquérito lançado junto de 125 câmaras municipais contactadas, com 92 respostas válidas, permitiu evidenciar que a ativação do Plano Municipal de Emergência "não acrescentou qualquer mobilização extraordinária de meios".

"Um número significativo (cerca de 60%) referiu que ativou o Plano Municipal de Emergência, embora dois terços destas tenham declarado também que essa ativação não acrescentou qualquer mobilização extraordinária de meios", refere o documento.

Serra do Açor, Arganil
PAULO NOVAIS

Atuação do INEM foi limitada

A atuação do INEM foi "limitada" por falhas na rede de comunicações.

"No desenvolvimento das operações, a atuação das equipas do INEM foi limitada por falhas da rede de comunicações", referiu a comissão, realçando que, "em algumas fases das operações, não foi possível referenciar o posicionamento dos meios envolvidos em diversos teatros de operações".

Nesse sentido, a comissão propõe que se dê "uma maior atenção ao robustecimento do sistema de comunicações".

De acordo com o relatório, o INEM mobilizou 24 meios e 64 profissionais a 15 de outubro de 2017 e 28 meios e 71 profissionais, a 16.

Durante os grandes incêndios de outubro, o INEM prestou socorro a 67 feridos que foram transportados para outros locais e ainda assistiu a 44 pessoas no local, dos quais 24 bombeiros.

PAULO CUNHA

Apoio das Forças Armadas "ficou aquém do desejável"

O apoio das Forças Armadas no combate aos incêndios "ficou aquém do desejável", pelo que é necessário melhorar a cooperação com a Proteção Civil.

Dos três ramos das Forças Armadas, a Marinha "não forneceu elementos que materializassem qualquer ação"; o Exército realizou 55 ações de patrulhamento e oito ações diferenciadas, com 29 oficiais, 119 sargentos e 557 praças no terreno, apoiados por 140 viaturas ligeiras, médias e pesadas, uma viatura pronto-socorro e quatro plataformas; e a Força Aérea "identificou uma missão com o empenhamento de sete oficiais, sete sargentos e dois praças, tendo concretizado oito a nove horas de voo", revela o documento de análise aos fogos de outubro de 2017.

Neste âmbito, os peritos recomendam a sensibilização dos representantes das Forças Armadas junto dos elementos de Proteção Civil acerca das "possibilidades e limitações do emprego dos militares que pertencem ao Exército".

TIAGO PETINGA

Efeito "Pedrógão" levou a abandono de locais sem ordem de evacuação

A comissão técnica independente constatou que houve comportamentos nos fogos de outubro de 2017 provocados pelo "efeito Pedrógão", que levaram várias pessoas a abandonarem as suas localidades sem ordem prévia de evacuação.

"É testemunho deste comportamento o que se passou em Castelo de Paiva, onde mais de 1.000 pessoas se juntaram no quartel dos Bombeiros, situação que se repetiu em Oliveira do Hospital, Oliveira de Frades, Loriga [concelho de Seia], só para citar alguns", sublinha a comissão.

Segundo a comissão, o facto de os grandes incêndios de 15 de outubro terem ocorrido a um domingo permitiu, para além de uma disponibilidade quase total dos corpos de bombeiros, que se concentrassem mais pessoas nos aglomerados populacionais.

Tal permitiu "que, em muitas circunstâncias, tivessem sido os civis, que se encontravam nestes territórios, a fazerem, sem qualquer apoio, a defesa perimétrica dos seus núcleos populacionais", realça a CTI.

Moita da Serra, Arganil, Coimbra
PAULO NOVAIS

Havia soluções para "minimizar extensão do incêndio"

O relatório concluiu que falhou a capacidade de "previsão e de programação" para "minimizar a extensão do incêndio"-

"Era possível encontrar soluções prévias de programação e de previsão que pudessem ter amenizado o que foi a expansão do incêndio", afirmou João Guerreiro, o presidente da comissão, em declarações aos jornalistas, no Parlamento.

Apesar de admitir que, "a partir de certa altura, não era possível dominar aquele incêndio", João Guerreiro advertiu que havia "instrumentos e capacidade para minimizar aquilo que foi extensão do incêndio", sublinhando existirem previsões meteorológicas a alertar para condições de temperatura elevadas e vento.

Questionado sobre se existiram ou não falhas das autoridades no combate às chamas, como foi indicado no relatório quanto os incêndios de junho, em Pedrógão Grande, distrito de Leiria, o presidente da comissão não foi explícito, mas admitiu que as considerações feitas se mantêm.

João Guerreiro relembrou que a estrutura da Proteção Civil, depois alterada, era ainda a mesma dos acontecimentos de Pedrógão, entretanto alterada após a vaga de fogos do ano passado que fizeram mais de 100 mortos.

O presidente da comissão admitiu que o incêndio de 14, 15 e 16 de outubro "foi um episódio muito severo".

O responsável relativizou a questão de ter terminado a fase "Charlie" de combate aos incêndios, aquela em que há mais meios e pessoal.

E aconselhou, como já fizera no relatório quanto a Pedrógão Grande, tem que haver das autoridades, como a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), "uma flexibilidade para ter meios de previsão e combate em qualquer época do ano", embora "tendo em conta as condições meteorológicas concretas de cada época".

Vieira de Leiria, Marinha Grande
RICARDO GRA\303\207A

Reforço de meios não obteve "plena autorização superior"

A Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) pediu um reforço de meios para combater incêndios em outubro de 2017 devido às condições meteorológicas, mas não obteve "plena autorização a nível superior".

Quando deflagraram os incêndios, o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF) estavam em "plena fase Delta, em que os meios disponíveis e a capacidade instalada é francamente menor do que a prevista e planeada" para a fase Charlie, que costuma decorrer entre 1 de julho e 30 de setembro.

A ANPC propôs para reforço do dispositivo para a fase Delta, entre 1 e 15 de outubro, 105 equipas de combate, tendo sido autorizadas 50, tendo também sido recusadas 200 horas de voo suplementares para duas parelhas de aviões anfíbios médios e 40 operacionais para a Força Especial de Bombeiros (FEB), bem como uma parelha de aviões anfíbios médios e quatro meios aéreos.

O relatório da comissão técnica independente adianta que, a 10 de outubro, foi proposto novo reforço de meios, tendo sido aprovadas 164 equipas, o acréscimo de 70 horas de voo para aviões anfíbios médios e o prolongamento de locação de oito helicópteros médios até 31 de outubro, mas foi recusado o aluguer de quatro aviões anfíbios médios para 13 a 31 de outubro.

Os peritos sublinham também que os meios preposicionados ficaram "muito aquém das necessidades, ainda que reativamente, no decorrer do dia 15 outubro e mais particularmente no dia 16 de outubro, se tenha conseguido mobilizar mais alguns grupos de reforço".

A comissão técnica independente entregou esta terça-feira na Assembleia da República o relatório "Avaliação dos Incêndios Ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em Portugal Continental", que provocaram 48 mortos.

Com Lusa

Pinhal de Leiria, Marinha Grande
PAULO CUNHA