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Odette Ferreira, um percurso notável e pioneiro na investigação da SIDA

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, prestou este domingo homenagem pública a Odette Santos-Ferreira e apresentou as condolências pela sua morte, enaltecendo "um percurso notável e que foi pioneiro na investigação e na academia". Odette Santos-Ferreira caracterizou os primeiros casos de infeção por VIH em doentes originários da Guiné-Bissau, o que constituiu o ponto de partida para a descoberta do VIH do tipo 2.

A ex-presidente da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida Odette Santos-Ferreira, que foi pioneira na investigação da doença a nível mundial, morreu sábado, aos 93 anos.

O percurso de Odette

Nascida em 1925, Maria Odette Santos Ferreira licenciou-se em Farmácia no ano de 1970, doutorou-se na Universidade de Paris Sud em França e chegou a Professora Catedrática de Microbiologia em 1987. A sua vida foi uma missão ao serviço da Universidade de Lisboa e do Serviço Nacional de Saúde na área da infeção pelo VIH/sida.

No princípio dos anos de 1980, Odette Santos-Ferreira caracterizou os primeiros casos de infeção por VIH em doentes originários da Guiné-Bissau com um quadro clínico de imunodeficiência, tendo identificado um grupo de amostras com um comportamento anormal face ao método de diagnóstico usado e que constituiu o ponto de partida para a descoberta do VIH do tipo 2.

Prossegiu as investigações durante essa década, nomeadamente no Instituto Pasteur de Paris, autoridade de renome mundial na matéria, que acabaram por conduzir à descoberta do VIH do tipo 2.

Odette Santos-Ferreira foi coordenadora da Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA, cargo que exerceu de 1992 a 2000, por nomeação do ministro da Saúde, tendo desenvolvido inúmeros projetos com impacto significativo na prevenção e disseminação da doença.

O projeto da sua autoria de maior impacto nacional e internacional foi a troca de seringa nas farmácias, denominado "Diz não a uma seringa em segunda mão", que teve como finalidade diminuir o risco de transmissão do VIH e de outras doenças transmissíveis (hepatitie B e C) à população toxicodependente por via endovenosa.

Este projeto foi considerado pela Comissão Europeia o melhor projeto apresentado por um país europeu, não só pela inovação, mas por ter sido possível desenvolvê-lo em todo o território nacional.

Odette foi ainda responsável pela criação dos Centros de Rastreio anónimos e gratuitos e a criação de um centro de “drop-in” no Intendente dirigido às trabalhadoras do sexo. São vários os trabalhos que criou e apoiou no âmbito do combate à SIDA que mereceram reconhecimento nacional. Entre eles, a Luta Contra a SIDA, Rede AIDS e Mobilidade, Rede Prevenção da SIDA e Hepatites nas prisões, Rede Children and Family, Rede Sida-Empresas, Rede European AIDS data SET, Rede Minorias Étnicas, Rede Europeia SIDA e Mulheres.

Os prémios e distinções à mulher que mudou o mundo

Em 1975 foi nomeada pelo governo francês “Chevalier dans l’Ordre des Palmes Academiques”, pelo desempenho no fortalecimento da cooperação científica entre Portugal e França. Mais tarde, em 87, voltou a ser distinguida pelos franceses como “Chevalier de la Légion d’Honneur”, pelas descobertas na investigação da SIDA.

Em Portugal, o ano de 1988 chegou com a atribuição do “Grau de Comendador da Ordem Militar de Sant’Iago de Espada”, pelo prestígio alcançado.

Também a Ordem dos Farmacêuticos reconheceu o seu vasto trabalho, prestígio e dedicação à profissão atribuindo-lhe, em 1989, a sua Medalha de Honra, e, em 2012 a Medalha de Ouro da Ordem dos Farmacêuticos.

Em 2006 recebeu o Prémio Universidade de Lisboa e em 2012 o Prémio Nacional de Saúde.

Quatro anos depois foi distinguida pelo Ministério da Ciência com a Medalha de Mérito pelo seu "valioso e excecional contributo para o desenvolvimento da ciência ou da cultura científica em Portugal”. Já em 2018, Presidente Marcelo Rebelo de Sousa condecorou Odette Ferreira com a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, o mais alto grau desta Ordem de Mérito, que galardoa serviços prestados à causa da educação e do ensino.

As vozes de reconhecimento

O antigo secretário de Estado da Saúde José Martins Nunes recordou o "entusiasmo" que Odette Ferreira, que hoje morreu, depositou na "conceção e direção do programa de 'troca de seringas', com impacto notável no controlo das infeções por HIV".

O ministro da Ciência, Manuel Heitor, lamentou a morte da investigadora, salientando o "valioso e excecional" contributo que deu ao desenvolvimento da ciência em Portugal.

Na nota publicada no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa “apresenta as mais sentidas condolências à família e amigos e presta pública homenagem à Professora Odette Santos-Ferreira, enaltecendo um percurso notável e que foi pioneiro na investigação e na academia".

"Esse trabalho, que a levou à identificação do HIV de tipo 2, foi, porventura, o marco mais conhecido dum percurso longo, persistente e notável de serviço à ciência e à comunidade", elogiou.

É precisamente esse percurso que, "em nome do país e dos portugueses, o Presidente da República lembra, considerando que "fica como referência para a Ciência e a Saúde em Portugal".

O adeus

As cerimónias fúnebres decorrem segunda e terça-feira, em Lisboa. Na segunda-feira, a partir das 19:00, na Igreja do Campo Grande". Na terça-feira, pelas 15:00, será celebrada missa, com o funeral a seguir para o Cemitério do Alto de São João.

Com Lusa