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Fuga de Rendeiro: "Não é o único processo que tem um arguido que está foragido"

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Adão Carvalho, comentou a fuga de João Rendeiro.

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Em comentário na Edição da Noite da SIC Notícias, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Adão Carvalho, comentou a fuga de João Rendeiro e a atuação da Justiça portuguesa.

Na opinião do presidente do sindicato, a Justiça portuguesa não deverá causar "desconforto social", usando as palavras da ministra da Justiça, caso tenha cumprido com o estipulado legalmente.

"Se a Justiça fez o que lhe devia, ou seja, se, no processo, não há nenhum elemento que permitisse concluir pela existência concreta de um perigo de fuga, não há razão para existir desconforto na Justiça, embora se compreenda aquilo que é o desconforto social e aquilo que é a opinião pública", diz Adão Carvalho.

Adão Carvalho explicou que, "para que seja aplicada uma medida de coação mais gravosa que o termo de identidade e residência, designadamente, para um arguido que sempre compareceu às sessões de julgamento e que sempre que se ausentou do país deu conhecimento ao processo dessa ausência e do local onde podia ser encontrado, evidentemente que não há qualquer perigo concreto a justificar a alteração de uma medida de coação".

O presidente do sindicato referiu, ainda, que não considera que se deve alterar a lei devido a casos concretos.

"Eu acho que não é a propósito de casos concretos que se deve alterar as leis, mas a questão é: se a atual lei exige um perigo concreto, não podemos responsabilizar os tribunais se, cumprindo com aquilo que está no processo penal, não aplicam medida de coação mais gravosa que o termo de identidade e residência, quando não há qualquer indício no processo que permita fazer esse juízo de perigo concreto."

A responsabilidade é então, agora, nas suas palavras, colocada nas mãos da Assembleia da República.

"Agora, se é ao Parlamento que cumpre fazer esta avaliação, se entende que, perante uma condenação a prisão efetiva em primeira instância, que isso constitui, em abstrato, uma situação de perigo a justificar que o legislador, no Parlamento, opte, por exemplo, por determinar que, independentemente do trânsito em julgado, após uma condenação em pena de prisão efetiva, se inicie, imediatamente, o cumprimento da pena, e, portanto, que o recurso tenha efeito meramente devolutivo nessa parte, então, é uma opção do legislador, porque, no fundo, é procurar o equilíbrio entre a presunção da inocência que se mantém até ao trânsito em julgado e aquilo que são as exigência de a Justiça ser efetiva", acrescenta.

Adão Carvalho parece concordar com a decisão judicial na opção pelas medidas de coação aplicadas no caso, e acrescenta que "as medidas de coação são excecionais, e só devem ser aplicadas se verificarem uma série de pressupostos legais em que, um deles, é o perigo de fuga, e esse perigo tem de ser um perigo concreto, ou seja, tem que ser um arguido que deixe de comparecer às diligências para as quais é convocado", referindo, ainda, que, "não existindo, com base no perigo de fuga, não há razão nenhuma para aplicar nenhuma medida de coação mais gravosa que o termo de identidade e residência".

"Não é o único processo que tem um arguido que está foragido, ou seja, que não se apresenta para cumprir a pena de prisão que lhe foi aplicada. Há dezenas ou centenas de processos nas mesmas circunstâncias.

Adão Carvalho considera que, nestes casos, "o que se tem de fazer é desencadear os mecanismos previstos. Desde logo, ao nível da União Europeia, usar o mecanismo de mandado de detenção europeu, e, fora da União Europeia, o recurso ao pedido de extradição, desde que seja conhecido o local onde o arguido se encontra. Para além disso, e para auxiliar nesta matéria, são difundidos pedidos de paradeiro através da Interpol e, para além disso ainda, no processo, pode ser declarado contumaz, ou seja, fica impedido de obter qualquer tipo de documento de identificação, e fica ainda inibido de celebrar negócios jurídicos em Portugal", refere.

"Eu entendo que, sempre que há uma situação concreta que, eventualmente, seja merecedora de discussão crítica sobre a matéria, que deve ser feita, mas deve ser feita de forma serena, e se o sistema cumpriu, no âmbito do processo todo, o formalismo e tudo aquilo que tinha a fazer, não há razão para o sistema ser criticado. Questão diferente é se, em termos legislativos, se justifica ou não, alterar a lei no sentido de a tornar mais conforme com algumas exigências que se façam sentir", cita, também, o presidente do sindicato.

Adão Carvalho parece considerar que a Justiça agiu de forma positiva, cumprindo com o estipulado pelo processo penal.

"Não vou aqui negar que, do ponto de vista da opinião pública, sempre que um arguido, sobretudo, em algum tipo de criminalidade, não é possível executar a pena de prisão, existe, do ponto de vista da sociedade, alguma perplexidade e algum desconforto em relação a essa situação. Mas isto é, também, a necessidade de o sistema ser compatível com as regras de um Estado de Direito Democrático, e a presunção de inocência determina que, até que alguém tenha uma condenação transitada em julgado, seja tratado com base nessa presunção".

Desta forma, como resultado, o presidente do sindicato alega que "há sempre o risco de qualquer arguido, a qualquer momento, poder-se eximir ao cumprimento da pena de prisão, saindo do país, ou refugiar-se nalgum sítio onde não possa ser extraditado".

"É um risco que o sistema tem de correr, sob pena de, sempre que existisse suspeita em relação a uma determinada pessoa, e a mesma fosse constituída arguida, ficaria automaticamente em prisão preventiva para garantir que ela não fugiria", acrescenta.

Para Adão Carvalho, a responsabilidade da fuga de João Rendeiro é do empresário, e de mais ninguém.

"Eu penso que, se foi cumprido tudo aquilo estipulado pelo processo penal, não há razão para responsabilizar ninguém. Se alguém é condenado numa condenação transitada em julgado, e se se tenta eximir à Justiça, o principal responsável é o próprio, porque, no fundo, tendo sido condenado numa pena de prisão, o seu dever é apresentar-se perante as autoridades judiciárias portuguesas, e aceitar aquilo que foi a condenação de que foi objeto", conclui.