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Abusos sexuais: Patriarcado recebeu queixa contra padre mas manteve-o em funções

O Patriarcado de Lisboa garante estar "totalmente disponível" para colaborar com as autoridades no "apuramento da verdade" sobre um caso que remonta à década de 90.

Abusos sexuais: Patriarcado recebeu queixa contra padre mas manteve-o em funções
António Cotrim/Lusa

O caso foi noticiado, esta quarta-feira, pelo jornal Observador, que dá conta de que o atual cardeal patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, "teve conhecimento de uma denúncia de abusos sexuais de menores relativa a um sacerdote do Patriarcado e chegou mesmo a encontrar-se pessoalmente com a vítima, mas optou por não comunicar o caso às autoridades civis e por manter o padre no ativo com funções de capelania".

"Além disso, o sacerdote continuou a gerir uma associação privada onde acolhe famílias, jovens e crianças, com o conhecimento de D. Manuel Clemente. Tudo, porque, justifica o próprio Patriarcado ao Observador, a vítima, que alega ter sofrido os abusos na década de 1990, não quis que o seu caso fosse público e queria apenas que os abusos não se repetissem", noticia o jornal.

De acordo com a investigação do Observador, a atuação do patriarca "contraria (...) as atuais normas internas da Igreja Católica para este tipo de situações, que determinam a comunicação às autoridades civis de todos os casos", adiantando que "os dados sobre este caso em concreto contam-se entre as mais de 300 denúncias já recebidas pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa - e o nome deste sacerdote é também um dos sete que já se encontram nas mãos da Polícia Judiciária para serem investigados".

Numa nota enviada à agência Lusa, o Patriarcado de Lisboa confirma ter recebido uma queixa contra um padre na década de 1990 e reitera que está "totalmente disponível" para colaborar com as autoridades no "apuramento da verdade" sobre os casos abuso sexual por membros da Igreja.

Mas este esclarecimento refere, porém, que só "duas décadas depois" o atual patriarca encontrou-se com a vítima, "que não quis divulgar o caso".

Além disso, o Patriarcado informa que, "na altura, foram tomadas decisões tendo em conta as recomendações civis e canónicas vigentes" e que, "até este momento, (...) desconhece qualquer outra queixa ou observação de desapreço sobre o sacerdote", que chegou a ser responsável por duas paróquias da zona norte do distrito de Lisboa.

A situação foi levada ao conhecimento do Patriarcado, pela primeira vez, ainda com o anterior patriarca, José Policarpo, pela mãe da vítima, mas segundo o Observador, "esta primeira reunião foi infrutífera", com a família a sair do encontro "com a ideia de que a hierarquia da Igreja Católica não acreditava na denúncia".

"Seguiram-se vários contactos entre a família e a hierarquia do Patriarcado de Lisboa, que incluíram conselhos para que a mãe da criança tivesse acompanhamento clínico", adianta o jornal.

Segundo a nota enviada pelo Patriarcado à agência Lusa, "o sacerdote está atualmente hospitalizado" e à Comissão Diocesana de Proteção de Menores não chegou "qualquer denúncia ou comunicação sobre o caso".

Comissão Independente recusa quebrar sigilo

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, coordenada pelo médico pedopsiquiatra, Pedro Strecht, enviou um comunicado às redações sobre estas notícias "hoje vindas a público", sublinhando desde logo que "não revela nomes de alegados abusadores, de vítimas que pedem o anonimato e/ou possíveis locais de ocorrência de tais actos".

Apesar de reconhecer "a existência de um trabalho autónomo de 'jornalismo de investigação'", a Comissão assegura ser "totalmente independente, guardando sigilo dos dados que até agora possui".

Garantindo que o trabalho continua, e que "mantém-se atenta sobre testemunhos recebidos", a Comissão reforça que os depoimentos "que configurem possíveis situações não prescritas pela Lei Portuguesa, (...) serão sempre enviadas directamente para o Ministério Público (MP) e Polícia Judiciária, quando exista já nesta instância queixa anteriormente reportada".