O primeiro-ministro assumiu esta quinta-feira, em entrevista à TVI, que compreende a contestação dos portugueses num momento de aumento do custo de vida. António Costa diz que o Governo tem que ter noção das dificuldades que as famílias estão a enfrentar e que, por isso, “não é o momento para o país estar feliz”.
No dia em que o Governo anunciou novas medidas para a habitação, António Costa sublinha que o país esteve décadas sem uma “verdadeira política pública de habitação”, problema que se acentuou no último ano, quer para quem recorre ao crédito quer para quem arrenda.
Questionado sobre o facto de estas medidas chegarem tarde, o primeiro-ministro defende que "chegam agora porque a realidade evoluiu muito”, mas relembra que, em 2015, “ninguém ligou muito” quando se falou numa nova geração de políticas de habitação.
"Tínhamos até há pouco tempo taxas de juro normais. Começaram a subir rapidamente em resposta à inflação. O problema agravou-se muito rapidamente nos últimos anos e é por isso que infelizmente hoje se dá atenção”, afirma.
António Costa adianta ainda que o Estado já assinou 230 estratégias locais de habitação com os municípios, havendo 1.200 casas concluídas e mais de sete mil em obra.
Segundo o primeiro-ministro, o aumento de casas disponíveis no mercado colocará um travão no crescimento exponencial do preço da habitação e poderá, eventualmente, ter até um efeito de redução.
As medidas para quem tem crédito habitação
António Costa destaca o compromisso para que sempre que a taxa de juro suba acima da taxa máxima testada no momento de contratação do crédito, o Estado financia metade dessa subida - é o regresso da bonificação - e dá um exemplo:
- Aquando do contrato do empréstimo, o teste de stress fixou a taxa máxima a 3%. No dia em que a taxa de juro chegar aos 4%, o Estado financia metade da diferença dessa subida. Ou seja, metade de 1%.
Dez anos depois do fim da bonificação do crédito à habitação, a medida está de volta. As famílias que ganhem até 38.600 euros por ano e tenham um crédito à habitação até 200 mil euros vão ter direito a bonificação até 760 euros. A medida aplica-se a contratos celebrados depois de julho de 2018.
O Governo propôs também no conjunto de medidas para a habitação a obrigatoriedade de os bancos oferecerem taxa fixa nos créditos. Sobre isto, António Costa esclarece que não será definido nenhum limite para a taxa fixa, mas acredita que os bancos farão ofertas razoáveis.
“Já há um banco que está a fazer oferta de taxa fixa razoável e sei que já há outros bancos a preparar. Não é uma questão de bom senso, é do interesse comercial da banca, que é não perder clientes”, diz.
As medidas para o arrendamento
Neste pacote hoje anunciado, o Governo propõe que o Estado arrende imóveis para posteriormente os subarrendar. O primeiro-ministro esclarece que esta medida se destina à classe média e que a atribuição das casas será feita por sorteio.
Mas como vai funcionar? Costa explica.
“Há muitas casas desocupadas porque muitas vezes os senhorios não têm confiança no mercado de arrendamento. Para contrariar isso, o Estado arrenda e subarrenda. Pagamos ao senhorio o preço do mercado e subarrendamentos com as regras da renda acessível e atribuímos as casas por sorteio”.
O primeiro-ministro “espera” que esta medida, dedicada à classe média, entre em vigor ainda este ano e acrescenta que, em relação às famílias carenciadas, até dezembro de 2026 serão construídos 26 mil fogos.
Esclarece ainda, sobre os imóveis desocupados que servirão para subarrendar, que o Estado “não entra pelas casas adentro” nem as arrenda sem pagar ao senhorio.
“Perguntamos ‘queremos arrendar a sua casa, arrenda-nos?’. O proprietário pode dizer que não. O Estado só toma posse administrativa se ao fim de X anos não colocarem a casa no mercado de arrendamento. Não é legítimo ter casas vazias”, afirma.
“O Estado não lhe rouba a casa, arrenda-a, paga-lhe a renda e desconta o valor das obras que tenha que fazer”, esclarece.
Alojamento local “tem efeitos colaterais negativos”
O primeiro-ministro assume que apesar do “contributo indiscutível” do alojamento local para a reabilitação dos centros urbanos, este teve “efeitos colaterais negativos”, sobretudo ao contribuir para o aumento das rendas.
Atualmente, há cerca de 100 mil fogos destinados a alojamento local. António Costa não espera que, com os benefícios fiscais anunciados, todos estes alojamentos sejam transformados em arrendamento habitacional, mas acredita que deve haver um equilíbrio.
O aumento do custo de vida
O primeiro-ministro afirma que a inflação é “dos fenómenos económicos mais difíceis de combater”, porque o Governo não pode definir o preço máximo do leite ou da batata, por exemplo.
Reconhece que há alimentos cuja subida do preço é difícil de explicar, razão pela qual incumbiu a ASAE de analisar de forma “rigorosa” esses aumentos, para verificar onde estão as margens de crescimento.
Sobre a possibilidade de mexer no IVA nos bens essenciais, como aconteceu em Espanha, diz que “numa crise destas nada pode estar fora da equação”, mas diz não estar convencido da eficácia da medida.
“As notícias que vêm de Espanha foi que a redução imediata que o preço teve devido à redução do IVA foi rapidamente compensado pelo aumento das margens de comercialização”.
Novos apoios extraordinários à vista? Parece que não
Ao contrário do que aconteceu o ano passado, em que o Governo atribuiu apoios extraordinários às famílias (recorde-se do apoio dos 125 euros, por exemplo), António Costa não deixa antever medidas semelhantes para este ano.
Até porque, relembra, “todas as prestações sociais e o salário mínimo subiram acima da inflação” e prevê-se que a inflação prossiga uma trajetória de desaceleração.
No entanto, o primeiro-ministro garante que o Governo se compromete a reservar capacidade de manobra para poder acorrer a situações extraordinárias, caso estas se manifestem.
Tempo de serviço dos professores: uma questão sem resposta
Questionado se os professores vão ou não recuperar todo o tempo de serviço congelado, António Costa não se compromete com uma resposta, mas opta por fazer uma pergunta:
“É justo e há razão para que possa fazer para uma carreira específica o que não posso fazer para todas as outras carreiras?”.
O primeiro-ministro assume: “o país tem que fazer opções” e explica que se o Governo desse a todas as outras carreiras o equivalente ao que os professores reivindicam, isso custaria, para sempre, 1.300 milhões de euros por ano.
“Não vejo que o país tenha condições para isso”.
"Um pouco preocupado" com declarações do PSD sobre imigração
António Costa manifesta preocupação com o risco de os partidos de extrema-direita condicionarem os restantes partidos, aludindo a declarações de Luís Montenegro e Carlos Moedas, ainda que nunca os mencione.
“Um dos maiores problemas que existe hoje nas democracias liberais na Europa é a forma como esses movimentos de extrema-direita conseguem condicionar as direitas democráticas”, acrescentando que o risco não é de os partidos de extrema-direita se “tornarem maioritários” ou “ganharem eleições” mas de “condicionarem” os restantes.
“Fico um pouco preocupado, para ser sincero, mas acredito, e tenho a profunda convicção de que o PSD profundo, o eleitorado do PSD, nunca consentirá uma deriva do PSD que o leve a absorver ou a deixar-se contaminar pelas ideias do Chega, e que o Chega lá continuará no seu cantinho, devidamente acantonado, como deve estar".
Casos e casinhos
Sobre os casos polémicos que têm estalado no Governo nos últimos meses, António Costa assume a culpa. “Tudo o que acontece é responsabilidade minha”, garante, acrescentando, no entanto, que não perdeu a mão no Governo.