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Cimeira Ibérica: Costa e Sánchez reúnem-se para celebrar legado de Saramago

Os dois Governos estão a preparar uma programação cultural cruzada entre Portugal e Espanha, que será dedicada aos 50 anos da democracia.

Visita de Pedro Sanchéz a Lisboa - Imagem de arquivo
Visita de Pedro Sanchéz a Lisboa - Imagem de arquivo
Armando Franca

Os primeiros-ministros de Portugal e de Espanha estarão esta terça e quarta-feira, em Lanzarote, numa cimeira em que se celebrará o legado de José Saramago, com foco no intercâmbio cultural, mas também na agenda da União Europeia.

A 34.ª cimeira Luso Espanhola ocorre apenas quatro meses depois da anterior, em novembro, em Viana do Castelo, sobretudo por causa da agenda interna de Espanha neste ano. Espanha terá eleições regionais e municipais em 28 de maio, eleições legislativas gerais em dezembro, e assumirá a presidência do Conselho União Europeia (UE) a partir do segundo semestre.

"Optou-se por fazer já a cimeira de 2023, evitando-se assim o risco de perder por motivos de agenda o caráter anual destas cimeiras. Esta decisão mostra o interesse que os dois governos colocam nas relações bilaterais", justificou à agência Lusa fonte do executivo de Lisboa.

Os trabalhos formais da cimeira decorrerão na quarta-feira, mas o encontro entre os dois governos arranca na véspera, com uma agenda prévia que inclui uma visita dos líderes dos Governos de Portugal e de Espanha, os socialistas António Costa e Pedro Sánchez, à casa museu do escritor português José Saramago, onde o Nobel da Literatura viveu a partir de 1993.

José Saramago, para os dois Governos ibéricos, "é o símbolo dos fortes elos culturais" existentes entre Portugal e Espanha.

Os 50 anos de democracia assinalados com cooperação cultural cruzada

Entre os diferentes acordos que serão assinados em Lanzarote, o Governo português destaca precisamente o referente à programação cultural cruzada entre Portugal e Espanha, que será dedicada aos 50 anos da democracia. Um tema em que se pretenderá realçar o contributo dos agentes culturais portugueses e espanhóis nos processos de transição democrática dos dois países ibéricos em 1974 e 1975.

Em declarações à agência Lusa, o ministro do Cultura salienta que "quer Portugal, quer Espanha foram países que tiveram uma grande responsabilidade na inauguração de uma nova vaga de transições para a democracia na década de 70".

"E essas transições para a democracia são elas próprias resultado de transformações profundas nas sociedades dos dois países, com manifestação do ponto de vista da criação artística e das dinâmicas culturais. O que vamos fazer é assinar um protocolo de intenções para que haja uma cooperação cultural cruzada entre Portugal e Espanha no âmbito dos 50 anos de democracia nos dois países", referiu Pedro Adão e Silva.

Para o titular da pasta da Cultura, a democracia "é ao mesmo tempo consequência de transformações culturais nas sociedades portuguesa e espanhola, mas ela própria é também um fator de transformação e de democratização, quer do acesso, quer da criação cultural".

"É em torno desta ideia, deste conceito que entre setembro de 2024 e setembro de 2025 organismos e entidades dos dois países promoverão uma programação cultural cruzada", completou.

Este modelo de programação cultural cruzada foi já desenvolvido ao longo de 2022 pelo Executivo português, mas com o Governo francês -- uma série de iniciativas que levou primeiro António Costa a Paris e que terminou em 29 de outubro com uma sessão no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa, com a presença da primeira-ministra de França, Elisabeth Borne.

Por outro lado, a programação cultural cruzada entre Portugal e Espanha deverá desta vez abranger vários pontos dos territórios nacional e de Espanha.

"Precisamente uma das consequências da democratização, quer em Espanha, quer em Portugal, é a preocupação com o território. E aquilo que vamos fazer é dinamizar iniciativas no conjunto dos países, naturalmente também com uma preocupação com as zonas fronteiriças, onde a proximidade cultural e social entre os dois países é ainda mais significativa", assinalou.

De acordo com Pedro Adão e Silva, assinado o protocolo luso-espanhol, a partir daí a ideia é começar a desenhar um conjunto de iniciativas que ocorrerão em Portugal e Espanha "ligando os 50 anos das democracias ibéricas, que iniciaram uma nova vaga de democratização na Europa mas não só, e fazê-lo através de um olhar e da perspetiva da cultura".

"A democracia e a transição para a democracia não representaram apenas uma transformação política e institucional. Foi uma transformação com um alcance e com um impacto nas sociedades dos dois países económico, social, mas também cultural. E o dinamismo e a diversidade da criação artística e cultural esta terça-feira nos dois países são um produto - um produto particularmente conseguido das transições para a democracia", reforçou o titular da pasta da Cultura.

Confrontado com uma das teses do ensaísta Eduardo Lourenço de que Portugal, no plano cultural, ao longo de séculos, para se diferenciar do país vizinho, saltou Espanha para se ligar diretamente ao modelo da cultura francesa, o ministro da Cultura sustentou que a vigência da democracia em Portugal "não é o único fator explicativo dessa mudança" na realidade nacional.

"Temos uma identidade consolidada do ponto de vista cultural. Precisamente por termos essa identidade cultural consolidada, só ganhamos em não dar esse salto e, pelo contrário, aprofundarmos as relações e o diálogo cultural com Espanha. Não há nenhum receio do ponto de vista da afirmação da nossa identidade", defendeu.

Com o reforço das ligações culturais a Espanha, "ganhamos com o diálogo, e ganhamos com a abertura, com o conhecimento -- que no fundo corresponde sempre a um duplo movimento". "Estas são oportunidades para mostramos aquilo que é feito em Portugal, mas também para aqueles que são criadores artísticos em Portugal estarem expostos e conhecerem aquilo que é feito em outros países, concretamente em Espanha", acrescentou.

Governos de Portugal e Espanha vão assinar dezenas de memorandos

Na quarta-feira, ao fim da manhã, após a reunião plenária dos dois Governos, "serão assinados mais de uma dezena de memorandos, que abrangem praticamente todas as áreas dos ministros [portugueses] que participam na cimeira", disse à agência Lusa fonte do executivo de Lisboa.

Nesta cimeira, ao lado de António Costa, estarão dez dos seus 18 ministros: Negócios Estrangeiros (João Gomes Cravinho), Justiça (Catarina Sarmento e Castro), Cultura (Pedro Adão e Silva), Ciência e Ensino Superior (Elvira Fortunato), Educação (João Costa), Trabalho e da Segurança Social (Ana Mendes Godinho), Saúde (Manuel Pizarro), Ambiente (Duarte Cordeiro), Infraestruturas (João Galamba) e Coesão Territorial (Ana Abrunhosa).

Em relação às questões europeias, os dois governos destacam o alinhamento de Portugal em matérias como a governação económica ou energia, área em que se realça o "mecanismo ibérico" para limitar o preço do gás usado para produzir eletricidade e o projeto dos gasodutos para transportar hidrogénio entre a Península Ibérica e França (H2MED).

A versão final da declaração que sairá de Lanzarote ainda está a ser negociada, mas, segundo o Executivo espanhol, deverá ter referências ao compromisso com a concretização do projeto H2MED, sobretudo, a ligação entre Celorico da Beira e Zamora (CelZa), para transportar hidrogénio, que Portugal e Espanha querem que seja "hidrogénio verde", ou seja, produzido com fontes de energia renováveis, como eólica e solar, enquanto França tem dito que gostaria que abrangesse também hidrogénio produzido com energia nuclear.

Quanto ao "mecanismo ibérico" aplicado ao preço do gás, em vigor até maio deste ano, Portugal e Espanha pediram a Bruxelas um prolongamento até, pelo menos, o final de 2023, mas ainda aguardam uma resposta.

Pela parte nacional, além das questões da energia, António Costa espera que a presidência espanhola do Conselho Europeu, a partir do segundo semestre deste ano, dê um impulso decisivo e feche o acordo comercial entre a União Europeia e os países do Mercosul.

Este acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, cuja conclusão tem sido sucessivamente adiada ao longo dos últimos anos, em parte por causa de obstáculos levantados por Estados-membros europeus, é uma das principais expectativas do primeiro-ministro português em relação à futura presidência espanhola.