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“Não quero deixar o meu país”. Milhares saem à rua e (só) pedem um teto e quatro paredes

A manifestação deste sábado juntou várias associações e comitivas, mas, acima de tudo, pessoas que, apesar das suas situações pessoais dificeis, dizem estar a lutar pelo direito coletivo à habitação. De jovens a reformados, a dificuldade e ansiedade é igual.

“Não quero deixar o meu país”. Milhares saem à rua e (só) pedem um teto e quatro paredes
Pedro Rebelo Pereira/SIC

O prometido é cumprido: foi em festa, com barulho e união que este sábado milhares de portugueses saíram à rua pelo direito à habitação. Da Alameda ao Martim Moniz, desfilou-se e dançou-se por “uma causa justa”.

O problema já não é novo, as medidas foram tomadas, mas o Samuel continua a querer sair de casa dos pais e não consegue, o Dinis e a Eva não querem emigrar, já a Lara está decidida: vai mesmo embora. E tudo porque não há espaço digno para todos, dizem.

Foi isso que os levou a marchar e desfilar pelas ruas de Lisboa. A concentração de pessoas foi tímida, de início, com vários grupos e coletivos separados na Alameda, mas rapidamente ganhou força quando se juntaram para descer a Avenida Almirante Reis.

De miúdos a graúdos, ouvimos as dificuldades e apelos de quem só precisa de quatro paredes e um teto.

“Hoje em dia é praticamente impossível qualquer jovem ambicionar ter habitação própria. Tenho a sorte de ter uma situação confortável, sou engenheiro, tenho trabalho estável, mas se quisesse comprar uma casa seria impossível”, relata Samuel Pina, de 27 anos.

Para o jovem “é preciso fazer alguma coisa ou então a cidade fica sem pessoas”. Samuel vive com a mãe, mas relembra que há muitos jovens que não têm sequer essa vantagem.

É o caso da Lara que, já tendo estado fora, só vê uma solução no futuro: ir embora.

“Eu pago 330 euros por um quarto, não é mau, tenho um senhorio bom. Não tenho ajudas e trabalhei fora seis meses para conseguir juntar dinheiro e vir estudar para Lisboa”, revela a jovem.

Questionada se não haveria nada que a demovesse da decisão, respondeu que “no futuro é mesmo para ir embora” e não há nada ”que o Governo pudesse dizer ou fazer".

Já a meio da Avenida, há quem ainda apele ao Governo por mais “solidariedade acima da propriedade”. A faixa colocada num dos edifícios não deixou ninguém indiferente e os manifestantes fizeram ouvir-se com palmas e gritos.

Mas se a Lara vai mesmo embora, ainda existem jovens com a esperança de que algo pode mudar quando chegar a sua vez.

“Quero ficar em Portugal, não quero deixar o meu país, mas ver um povo tão desvalorizado pelo Governo é horrível”, confessam Dinis e Eva.

Ambos querem sair de casa dos pais, mas não conseguem, veem o fim da faculdade a aproximar-se e esperam que manifestações como esta façam a diferença para que, quando entrarem no mercado de trabalho, as queixas tenham ficado no passado.

Jéssica Ribeiro, brasileira de 34 anos, está bem a par das queixas de agora e, durante os 14 anos que já viveu em Portugal, nunca testemunhou a situação desta forma.

"As rendas estão absurdas, quem não é proprietário não tem possibilidade de pagar, esta situação tem de ter um travão, vamos sair à rua quantas vezes forem necessárias", explica.

Uma das grandes motivações de Jéssica “é lutar por quem tem passado por grandes crises psicológicas”, como por exemplo ter que viver com os seus ex-maridos e ex-mulheres por não terem dinheiro para ter casa própria.

As dificuldades acumulam-se, o problema da habitação já contamina outras esferas preocupantes da sociedade portuguesa, como o aumento do custo de vida e, por isso, é difícil conter a revolta. A manifestação não tem apenas momentos pacíficos e de festa, mas também conta com alguns atos de vandalismo contra vários supermercados na Avenida.

O direito à habitação é “um direito constitucional”, como lembra José Rui, um dos manifestantes com quem a SIC Notícias falou.

“[A habitação] é uma das nossas lutas, principalmente do movimento negro. Para que haja justiça, todos temos de ter um lugar digno para viver", defende.

Mas não é bem assim que funciona e, já quase no fim, as tendas no passeio da Almirante Reis mostram que nem todos têm um teto para viver.

José Rui lembra que este movimento já não é só português, é europeu também e "é importante que estejamos juntos", sublinha.

Em Lisboa estiveram cerca de 20 mil (número avançado pela organização à SIC), mas a capital não foi a única ter as ruas cheias. Mais cinco cidades portuguesas juntaram-se este sábado às marchas europeias que começaram a 24 de março com o mote “Right to Housing and the city” dado pela European Action Coalition.

Apesar das milhares de pessoas diferentes, com situações e circunstâncias distintas, o pedido é o mesmo: “Cidade é para morar, não é só para trabalhar”.

Foram quatro horas de desfile, de gritos, protestos e até de festa, apesar de não haver muita confiança ou esperança no que está a ser feito agora.

“Olhamos para a frente e não vemos uma esperança. Temos a massa cinzenta, temos a formação, mas não os conseguimos reter, é preciso uma alternativa”, alerta Samuel.

Para o jovem, a distância entre a realidade e as medidas adotadas pelo Governo é muito grande, dado que “há um nicho muito grande de pessoas com muito poder que estão completamente desligadas da sociedade”.

Chegados ao Martim Moniz, mesmo com concertos planeados, muitos manifestantes dispersam. Para onde? Para a casa partilhada com mais amigos do que quartos ou para a casa dos pais, à espera que daqui para a frente possam dormir num sítio que lhes dê mais descanso do que problemas.