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Caso Galamba: 10 perguntas sobre o terramoto que está a abalar o SIS

Segundo a lei, o SIS só pode atuar quando estão em causa documentos “muito reservados”. Ninguém sabe se o plano de reestruturação da TAP tem esta classificação. Como ninguém sabe quem é que deu a ordem final ao SIS.

João Galamba
João Galamba
MIGUEL A. LOPES

Foi mesmo o Serviço de Informações de Segurança (SIS) que recuperou o computador de Frederico Pinheiro?

Sim, este é mesmo o único facto absolutamente certo. Frederico Pinheiro já estava em casa na quarta-feira, dia 26, quando, após exonerado telefonicamente por João Galamba e de ter ido buscar os seus pertences ao gabinete, recebeu um contacto telefónico depois das 23:00 em que foi informado de que o seu computador tinha documentos sensíveis. No mesmo telefonema foi combinada a entrega, que se deu pouco tempo depois, em frente ao prédio onde mora Frederico Pinheiro.

O que fez o SIS ao computador?

Entregou-o à Polícia Judiciária (PJ), que está com o portátil pelo menos desde sexta-feira à tarde. A PJ ficou responsável pela abertura e verificação do computador, nomeadamente se teve alguma utilização indevida de algum documento classificado. Até ao momento, não são conhecidas as conclusões da peritagem da PJ.

Quais eram os documentos classificados que Frederico Pinheiro poderia ter?

Pelo menos um, o plano de reestruturação da TAP – negociado durante um ano entre o Estado português e a Comissão Europeia – foi considerado como documento classificado pelo Governo em março, pouco antes do seu envio à Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP. O plano foi classificado como confidencial pelo Gabinete Nacional de Segurança, que depois o enviou aos deputados.

Frederico Pinheiro
ISCTE

Frederico Pinheiro podia ter acesso a documentos confidenciais?

Um adjunto não tem, por norma, credenciais para ter acesso a documentação classificada. No entanto, parece haver uma explicação simples e caricata para que Frederico Pinheiro tivesse o documento na sua posse: o plano foi aprovado por Bruxelas em dezembro de 2021 e só foi classificado como reservado em Portugal em março de 2023. Ou seja, durante 15 meses – período em que o ex-adjunto acompanhou o dossiê da TAP - não teve qualquer restrição administrativa. Aliás, Frederico Pinheiro garante que foi ele quem sugeriu ao ministro que o documento fosse classificado.

O plano de reestruturação da TAP é reservado em Bruxelas?

Sim, mas por razões diferentes. A prática de Bruxelas decorre do facto de o plano envolver ajudas de Estado e conter informação confidencial sobre a companhia aérea. Nestes casos, a Direção-Geral da Concorrência considera que há uma “presunção geral de confidencialidade” até o plano estar totalmente executado.

Quem acionou o SIS?

É o maior mistério deste caso. O SIS depende diretamente do primeiro-ministro, que tutela o SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa), que inclui o SIS e o SIED, este último dedicado aos assuntos externos. Em teoria, qualquer atuação do SIS numa matéria destas devia decorrer de uma ordem do primeiro-ministro ou pelo menos da secretária-geral do SIRP, a embaixadora Graça Mira Gomes.

Se não passou pelo primeiro-ministro passou por quem?

Sendo uma estrutura profundamente hierarquizada, uma atuação do SIS tinha que decorrer de uma indicação do diretor do SIS e/ou da secretária-geral do SIRP. Sabe-se desde sábado - porque João Galamba o revelou numa conferência de imprensa -, que o ministro não conseguiu falar com o primeiro-ministro, ligou ao secretário de Estado-Adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes - que se encontrava ao lado do secretário de Estado da Modernização Administrativa, Mário Campolargo -, e que estes o remeteram para a ministra da Justiça, que terá dado as instruções de atuação a Galamba. A partir daqui não se sabe mais nada.

A ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro
MIGUEL A. LOPES

Há enquadramento legal para o recurso ao SIS?

É altamente discutível. Mesmo seguindo os protocolos acima descritos – e estando em causa pelo menos um documento confidencial e do interesse do Estado -, o SIS só pode ser chamado a atuar em casos de informação classificada como “muito reservada”. A informação pode ser classificada em quatro níveis e o SIS só pode atuar na mais elevada, a de nível 4. O plano de reestruturação da TAP tem nível 4? Ninguém sabe.

O que diz a lei?

Na resolução do Conselho de Ministros que aprovou as Instruções para a Segurança Nacional, Salvaguarda e Defesa das Matérias Classificadas, de 1988, pode ler-se o seguinte no ponto 9.3.2: “deve ser feita imediatamente uma comunicação à autoridade nacional de segurança sempre que se verifique: que se trata de informações classificadas de «Muito secreto»; que há indícios ou suspeitas de espionagem”.

O recurso ao SIS é lógico?

Não havendo garantia absoluta de que foi legal, há uma certeza: foi invulgar e desproporcionado. O Centro de Gestão da Rede Informática do Governo (CEGER) tem capacidade tecnológica para cancelar o perfil de utilizador (o que fez garantidamente) e para aceder remotamente ao computador, incluindo para fazer cópia ou eliminar o que estiver armazenado. Tendo Frederico Pinheiro enviado um email ao diretor do CEGER às 23:02 de quarta-feira a dizer que tinha o computador na sua posse e que o queria entregar, não é fácil perceber porque o SIS precisou de intervir.