Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

País

Deixados à espera: o triste retrato dos internamentos sociais

Opinião de Tiago Correia. Pessoas, sobretudo idosas, ficam internadas nos serviços de saúde após terem alta clínica. De forma simples, é isto que define os internamentos sociais ou inapropriados.
Deixados à espera: o triste retrato dos internamentos sociais

A situação em Portugal não é nova e tem sido alvo de atenção. Mas a desumanidade, as circunstâncias e os efeitos no funcionamento do SNS e na saúde das pessoas exigem que esta triste realidade não desapareça do espaço público.

A mensagem é que apesar dos avanços legislativos, das iniciativas locais ou dos investimentos do PRR, mais e melhores respostas são necessárias perante duas constatações: o que está a ser feito não é suficiente perante a grandeza e complexidade do problema; e espera-se que o problema se agrave nos próximos anos. Apenas por intermédio de uma mobilização constante e transversal entre setores – público e privado e entre áreas de governação – será possível dar mais consistência aos passos necessários.

Segundo a mais recente estimativa para Portugal, estes internamentos representam cerca de 10% do total de pessoas internadas no SNS. Em média, cada uma destas pessoas manteve-se internada mais de 60 dias após ter tido alta clínica, num total que superou 100.000 dias de internamento. Em Lisboa e Vale do Tejo e no Norte é onde estes casos mais se concentram, sobretudo devido à falta de oferta de camas na rede de cuidados continuados e nas estruturas residenciais para pessoas idosas.

Estas são as linhas gerais da última edição do Barómetro de Internamentos Sociais realizado pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, o qual é porventura dos melhores instrumentos de monitorização desta situação no país.

Outras conclusões dizem respeito aos internamentos inapropriados nos serviços de psiquiatria. Dizem respeito a pessoas em idade ativa (18-65 anos) e também aumentaram face a anos anteriores, situando-se em 2023 em mais de 40% do total destes internamentos. Apesar disso, a duração média diminuiu, ainda que seja acima dos 800 dias. As principais causas também apontam para a insuficiente resposta institucional, neste caso da estrutura de Saúde Mental para doentes crónicos, seguida da incapacidade dos cuidadores informais.

O Barómetro estimou os custos diretos dos internamentos sociais registados em 2023 num valor superior a 50 milhões de euros, o qual projeta um custo anual superior a 226 milhões de euros.

A estes custos acrescem outros, cujas estimativas são difíceis de apurar: o desconforto, a desadequação dos espaços e dos cuidados, o risco de infeções hospitalares, os efeitos psicológicos para os próprios utentes, para os profissionais e para as famílias, a ocupação de camas necessárias para responder aos doentes que entram nos serviços de urgência, entre tantas outras implicações.

Do que se sabe do problema e das opções implementadas não há dúvida que tanto é preciso robustecer a disponibilidade dos meios institucionais em mais infraestruturas, camas, profissionais e acordos com parceiros sociais, como é preciso avaliar a adequação do apoio aos cuidadores informais.

Na vertente institucional, o modo de entender o problema não é dizer que nada está feito. Repito: há alterações legislativas em curso e há novas respostas no terreno para a transferência das pessoas nestas circunstâncias. A dúvida é qual a rapidez da implementação das mudanças perante as necessidades imediatas.

Certas soluções dizem respeito ao funcionamento do SNS. Para estas, apostou-se na criação da Direção Executiva do SNS, o que nos faz recordar as dúvidas sobre os meios de planeamento e financiamento que Fernando Araújo ainda não tem para fazer com que isto aconteça.

Outras soluções dirão respeito à articulação com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Neste caso, ora pelo reforço de meios ora pelo reforço de parcerias, mais precisa ser feito. Este será apenas mais um exemplo da falta de planeamento durante décadas e o quanto as respostas só avançam quando tudo já vem tarde. E, novamente, as baterias são apontadas à insensibilidade do Ministério das Finanças.

Isto leva-nos à vertente dos cuidadores informais. É errado assumir que os internamentos sociais apenas dizem respeito ao egoísmo ou abandono pelas famílias. Parte significativa destes casos dizem respeito à incapacidade financeira ou de habitação de quem cuida, tanto quanto a falta de apoio físico e psicológico, mas também de respostas médicas e de enfermagem rápidas em caso de urgência. Estima-se que para cerca de 800 mil cuidadores informais em Portugal, mais de metade não recebem apoio, estão sozinhos, exaustos e desinformados.

Este contexto merece uma profunda reflexão. Mais ainda perante notícias que indiciam que os possíveis efeitos deste sofrimento são tais que podem levar ao assassinato da pessoa cuidada pelo seu cuidador ou ao suicídio.