José Gomes Ferreira

Diretor-adjunto de informação da SIC

País

A explicação completa do mapa de Piri Reis, o documento mal interpretado

Opinião de José Gomes Ferreira. O mapa de Piri Reis, de 1513, não mostra a Antártida mas sim a pré-descoberta portuguesa das Américas, antes das expedições espanholas comandadas por Cristóvão Colombo. Um precioso documento que os historiadores oficiais teimam em não querer ver.
A explicação completa do mapa de Piri Reis, o documento mal interpretado
A explicação completa do mapa de Piri Reis, o documento mal interpretado
José Gomes Ferreira/ SIC Notícias

O valiosíssimo documento prova que, entre 1490 e 1513, os portugueses descobriram praticamente todas as costas da América do Sul, desde as Caraíbas até à (futura) passagem de Drake que liga o Atlântico ao Pacífico, incluindo o estreito de Magalhães, e confirma a informação já visível no mapa de Cantino: foram também os portugueses que mapearam pela primeira vez, antes de 1502, a costa leste da América do Norte, desde o Golfo do México, passando pela Florida, até à Nova Scotia e à Terra Nova.

Quanto mais se aprofundam as investigações independentes, a leitura de documentos e a interpretação de mapas da época, mais aumenta a convicção de que as histórias oficiais dos países das Américas e dos países europeus envolvidos nos Descobrimentos continuam a rejeitar factos absolutamente documentados e provas absolutamente sólidas só porque chocam com as teorias oficialmente estabelecidas como corretas. É o caso da pré-descoberta portuguesa das Américas, antes das expedições espanholas comandadas por Cristóvão Colombo.

Um documento absolutamente seguro em relação à sua origem e datação, que prova que os portugueses descobriram as costas da América continental antes da descoberta oficial em 1498 por Colombo, é o mapa de Piri Reis. No entanto, este precioso documento ou é ignorado na parte que diz respeito a essa pré-descoberta, ou é deturpado na interpretação do que mostra claramente e que os historiadores oficiais teimam em não querer ver.

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O mapa de Piri Reis diz claramente que as costas continentais da região de Antília, as Antilhas das Caraíbas, foram descobertas em 1490, e não foi pelos espanhóis nem por Cristóvão Colombo.

No livro “The Oldest Map of America”, do professor Afet Inan (Ankara, 1954, páginas 28 a 34), estão traduzidas para inglês 24 anotações do mapa de Piri Reis. A nota V refere-se às costas sul-americanas de Antília, frente à ilha de Trinidad, e diz o seguinte:

“Estas são as chamadas costas de Antília. Foram descobertas no ano de 896 do calendário Árabe (que corresponde ao fim do ano de 1490 e parte de 1491 do calendário gregoriano, ou cristão). Mas é considerado que um infiel genovês, chamado Colombo, ficou conhecido como o descobridor destes lugares. Por exemplo, um livro (Atlas?) caiu nas mãos do dito Colombo, livro esse que dizia que no fim do Mar Ocidental (Atlântico) havia costas e ilhas e toda a espécie de metais e pedras preciosas. O acima mencionado (Colombo), tendo estudado este livro aprofundadamente (…)” foi pedir “navios para descobrir estes lugares”, que o “Bey de Espanha” (Rei de Espanha) acabou por lhe conceder. (…) “Parece que ele (Colombo) tinha lido no livro que, naquela região, as contas de vidro eram muito apreciadas.”

Ora, se no mapa de Piri Reis de 1513, o autor escreve que as costas do sub-continente americano na região das Antilhas foram descobertas em 1490-91, e se Colombo só as visitou em 1498, quem é que realmente as descobriu e já sabia que as contas de vidro eram ali muito apreciadas, tendo até escrito um livro (Atlas) sobre isso?

Se cruzarmos este valiosíssimo documento com o mapa de Henricus Martellus de 1490-91 e com o globo de Martim Behaim do mesmo ano, ambos feitos com base em informações sobre os descobrimentos portugueses, a resposta é evidente: foram os portugueses que descobriram as Antilhas das Caraíbas e as costas da América continental naquela região.

Não só a península da Florida aparece claramente desenhada nestes dois mapas com o nome de Cipango, no caso do de Henricus Martellus no canto superior direito, como no Globo de Martim Behaim é bem visível, além da Florida, também a ilha de Trinidad, com o nome de Sant Brandam. As coordenadas geográficas das respetivas localizações e os formatos dos territórios mapeados assim o comprovam.

José Gomes Ferreira/SIC Notícias
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Voltando agora à análise do mapa de Piri Reis de 1513, este mostra claramente que toda a costa da América Central e do Sul até depois do cabo Horn já estava descoberta muitos anos antes e que foram os portugueses que dobraram a extremidade sul deste sub-continente, tendo também na mesma altura descoberto a entrada do estreito de Magalhães (oficialmente só achado em 1519).

Uma inovadora interpretação do estranho formato da parte inferior da costa leste da América do Sul no mapa de Piri Reis foi formulada por Diego Cuoghi num artigo intitulado “The mysteries of the Piri Reis Map”, (Part 1), escrito em italiano e traduzido para inglês por Roberto Patriarca.

O curioso desenho desta costa resultou de duas ou três razões, das mais simples que podem ser formuladas: ou o autor do mapa fez rodar a parte sul 90 graus no sentido contrário aos ponteiros do relógio para esta caber no pergaminho de gazela que estava a desenhar, ou então enganou-se na reprodução do mapa original que estava a utilizar e conjugou-o erradamente com os outros mapas das costas do Brasil e das Antilhas deixando-o rodado 90 graus para leste, ou estas duas razões aconteceram ao mesmo tempo.

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Este tipo de engano pode ter sido exatamente o mesmo que o investigador australiano Peter Trickett encontrou nos mapas de Vallard da escola de Dieppe com as costas da Austrália, que de forma brilhante demonstrou no seu livro “Beyond Capricorn” terem sido desenhados a partir de portulanos mal conjugados entre si, com erros de rotação de 90 graus nalguns casos.

O estranho formato e orientação do desenho da parte inferior da costa sul-americana pode igualmente ter sido intencional, seguindo a técnica já anteriormente usada pelo cartógrafo português Pedro Reinel, na carta de 1485, na qual o troço vertical da costa de África, a seguir ao Golfo da Guiné, foi desenhada sobre o deserto do Saara simplesmente para caber no pergaminho.

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De qualquer forma a parte inferior da costa leste da América do Sul aparece toda desenhada no mapa de Piri Reis, como podemos ver no desenho de Diego Cuoghi. E a melhor maneira de verificar a teoria deste autor é seccionar uma cópia do mapa de Piri Reis na parte em que a costa da América do Sul, a seguir ao Brasil, inflete para leste, e rodá-la 90º na direção sul.

Ao deslocarmos a parte inferior desta costa 90 graus no sentido dos ponteiros do relógio, obtemos rapidamente o verdadeiro formato da costa leste de toda a América do Sul, incluindo a Terra do Fogo e o Cape Horn. O resultado é absolutamente surpreendente e a comparação com o perfil real das costas do sub-continente americano não deixa nenhuma dúvida.

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Para os historiadores que achem esta teoria fantasiosa, recomendo vivamente que comparem o rearranjo que fiz do mapa de Piri Reis com a rotação de 90 graus da ponta sul das Américas para oeste, com a representação da costa atlântica da América do Sul que está claramente desenhada na chamada “Carta Hazine de 1825”, comprovadamente feita em 1519, apenas cinco anos depois de Piri Reis ter desenhado o seu célebre mapa.

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Para os leitores e até para os especialistas mais céticos, que duvidam que o extremo sul da América do Sul já tinha sido descoberto em 1513, que dizer da parte ocidental do célebre mapa mundo de Martim Waldseemuller, que já em 1507 mostrava toda acosta americana desde o Cape Cod, passando pela Florida (igual ao formato do mapa de Cantino de 1502) e continuava até Cape Horn onde já era exibida uma bandeira portuguesa?

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Já em 1504, um misterioso globo terrestre desenhado sobre duas metades de casca de ovo de avestruz (descoberto num leilão em 2012) mostrava as costas do Atlântico e do Pacífico da América do Sul, identificando claramente a futura passagem de Drake.

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Além destas provas diretas perfeitamente identificáveis em vários mapas, existem pelo menos duas provas documentais, escritas, da chegada dos portugueses ao extremo sul do continente americano nos anos de 1501-02: a certidão de Valentim Fernandes, que atesta que uma expedição portuguesa chegou aos 53 graus sul, e a carta Mundus Novus de Américo Vespúcio, que diz claramente que na mesma data a expedição portuguesa na qual o cosmógrafo florentino seguia integrado ultrapassou os 52 graus sul, a latitude do futuro Estreito de Magalhães.

Assim, a matriz original portuguesa de representação das costas da América do Norte, Central e do Sul, que teve início no mapa de Cantino de 1501-02, com maior ou menor aproximação é a mesma reaparece no mapa de Canério e no Globo Terrestre em casca de avestruz, ambos de 1504, e no mapa de Waldseemuller de 1507, continuando a poder ver-se no mapa de Piri Reis de 1513, conforme fica bem ilustrado por este desenho do site oarquivo.com.br sobre o mapa turco.

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O mesmo tipo de desenho aparece desenvolvido e explicado num artigo online intitulado “Piri Reis maps and claims for Antártica”, publicado por Carl Fragans em Fevereiro de 2017, no site Archaeology Review, onde o autor defende a descoberta das ilhas Malvinas e de toda a costa até à passagem de Francis Drake para o Pacífico, antes de 1513, considerando que a parte inferior do mapa da América do Sul de Piri Reis está indevidamente rodado 90º para leste e que nele não aparece absolutamente nada da costa da Antártida.

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Se quisermos ir mais longe na correta interpretação do mapa de Piri Reis feita por Diego Cuoghi, podemos comparar o extremo sul do mapa com o troço da América do Sul até à terra do fogo e a Cape Horn.

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Focando ainda mais a nossa atenção, agora na zona do Estreito de Magalhães que Piri Reis considerava ser “dos infiéis portugueses”, conforme escreveu no famoso mapa, e também na costa da Terra do Fogo, a comparação é igualmente evidente.

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Em resumo, no entender de Diego Cuoghi:

“Mesmo sem ser um especialista de cartografia, basta olhar com atenção para esta parte do mapa de Piri Reis para perceber que representa nada mais do que a extremidade sul do sub-continente americano; uma representação aproximada apenas possível com os meios disponíveis naquela altura. O desenho está deformado, rodado para a direita, provavelmente para se adaptar ao formato do próprio pergaminho. Mas é também importante mencionar que a demarcação cartográfica entre as zonas de influência espanhola e portuguesa poderia servir como um pretexto para a respetiva potência reclamar direitos de posse: Várias vezes Piri Reis mencionou mapas portugueses nas suas notas e é claro que os portugueses teriam preferido que a costa a sul do Brasil pendesse fortemente para o lado direito na direção de África. Assim, esta costa teria ficado dentro dos 180 graus atribuídos a Portugal pelo tratado de Tordesilhas de 1494.”

Ora é precisamente este o mesmo formato da costa da América do Sul que aparece no célebre mapa-mundi de Jorge Reinel, integrado no chamado Atlas Miller de 1519, um mapa comprovadamente manipulado a mando do rei de Portugal, D Manuel I, por razões geopolíticas, para sugerir aos reinos europeus concorrentes que não havia passagem marítima pelo Atlântico Sul para o Pacífico (reservando todo este mar – e toda a costa até Cape Horn - para Portugal, permitindo manter o monopólio português do comércio com a Índia e o Mar da China):

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O formato da costa atlântica da América do Sul no mapa de Piri Reis sugere que o autor pode ter tido acesso a um mapa português idêntico ao de Reinel, feito anteriormente já com a referida manipulação geopolítica.

Fosse por razões de propaganda geopolítica da época, por engano, simplesmente para adaptar o desenho à área de pergaminho disponível, ou por várias destas razões ao mesmo tempo, a verdade é que esta parte do mapa de Piri Reis representa toda a costa da América do Sul até ao Cabo Horn e ao futuramente conhecido Estreito de Drake, uma larga passagem para o Pacífico, e não é uma hipotética representação da Antártida, ao contrário do que muitos autores escreveram e continuam a escrever.

“Se olharmos atentamente para a ponta mais à direita que é suposto representar a Antártida, podemos ver a pintura de uma serpente”. A nota inscrita por Piri Peis nesta zona diz que “Esta terra é desabitada e tudo está em ruínas (é árida) e é dito que grandes serpentes se podem encontrar aqui. Por isso, os infiéis portugueses (viram, mas) não desembarcaram nestas costas, que também se diz que são muito quentes (Terra do Fogo)”.

Assim, conclui Diego Cuoghi: “Claramente esta descrição não se aplica à Antártida de maneira nenhuma

O mapa de Piri Reis mostra ainda toda a costa leste da América do Norte deste a península da Florida até depois de Cape Cod, incluindo Massachusstes Bay, Portland Bay e Rockland Bay, bem como a península da Nova Escócia, as ilhas de Cape Breton e de Prince Eduard, e ainda as ilhas da Terra Nova e de Sable Island.

A parte continental da costa leste da América do Norte ainda não tinha sido oficialmente descoberta mas já consta do mapa de Piri Reis, tal como já constava de uma série de outros mapas anteriores inspirados pelo célebre mapa de Cantino, de 1501-02, a obra prima portuguesa da cartografia mundial que serviu de modelo aos mapas de Canério (1504), Walsdseemuller (1507), e outros da mesma série.

As Antilhas das Caraíbas, Hispaniola e Puerto Rico, estão representadas de uma forma correta, bem como a generalidade das pequenas Antilhas, mas a ilha de Cuba está integrada na linha de costa, tal como Colombo oficialmente defendeu junto dos Reis de Espanha (sabendo que não era verdade, mas tendo obrigado os companheiros de viagem a assinar uma declaração nesse sentido) e como o próprio ou o irmão Bartolomeu desenharam nos seus mapas.

Já a grande ilha desenhada a vermelho, não é mais do que a península da Nova Scotia, deslocada para sul no mapa por desconhecimento de Piri Reis sobre a sua verdadeira localização.

José Gomes Ferreira/SIC Notícias
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Conforme vemos nas imagens, que não deixam grandes dúvidas na comparação entre o mapa de 1501-02 e os mapas reais da costa leste da América do Norte, o primeiro mapa-mundo digno desse nome foi o Planisfério de Cantino, que a investigadora Alida Metcalf não tinha dúvida nenhuma ter sido desenhado por um grande cartógrafo português Pedro Reine (e-Perimetron, Vol. 12, No. 1, 2017 [1-23]).

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Como vimos, estas são provas mais do que seguras da pré-descoberta das Américas pelos portugueses em relação às datas oficialmente aceites.

Tal como ficou escrito no meu livro “O Segredo da Descoberta Portuguesa das Américas”, há mais de 500 anos a grande Europa, a começar pela Espanha, foi para o Novo Mundo aos ombros de um pequeno país: Portugal!