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Buscas sem utilidade e abuso de poder: Procuradora-Geral Adjunta critica Operação Influencer

Uma Procuradora-Geral Adjunta critica a atuação do Ministério Público no processo Influencer. Maria José Fernandes fala em buscas sem utilidade e em abuso de poder por parte de quem faz a investigação criminal.

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As críticas à forma como o Ministério Público conduziu o processo que levou à queda do Governo vêm de uma figura de topo da instituição. A Procuradora-Geral Maria José Fernandes fala em buscas sem utilidade e em abuso de poder de quem levou a cabo a investigação criminal.

“Ministério Público: como chegámos aqui?”. A pergunta serve de título e de ponta de partida para uma crítica à atuação dos procuradores na Operação Influencer. Num longo artigo de opinião no Público, a Procuradora-Geral Adjunta defende a tese de que este é um caso que mostra como a autonomia dos procuradores deixou os magistrados sem controlo na estrutura hierárquica, levando a abusos.

“Acontece haver quem entenda a investigação criminal como uma extensão de poder sobre outros poderes, de natureza política. Daí que sejamos surpreendidos, de vez em quando, com buscas cuja utilidade e necessidade é nenhuma”, escreveu.

Não são referidos nomes, mas também não são necessários para se perceber a quem Maria José Fernandes, que também é inspetora, sendo responsável por avaliar procuradores, se refere.

Denuncia um clima de favoritismo, até aqui, do juiz Carlos Alexandre.

“A sorte é que até há pouco tempo o DCIAP dispunha de um tribunal de instrução privativo, com um juiz de instrução igualmente privativo por ser o único durante largos anos. O perfil decisório desse juiz de instrução criminal era conhecido, não há constância de contrariedade ao Ministério Público. Maus hábitos.”, declarou.

Mas estes magistrados, para Maria José Fernandes, conseguiram também apoios na comunicação social.

"Granjearam e até quase camaradagem (em congressos) de certo jornalismo que segue as peripécias da corrupção atribuída a políticos e que tem a militância de deixar Portugal bem colocado nos rankings internacionais da perceção desse flagelo.", referiu.

É esta a mistura que leva os procuradores que não “hesitem em meios de recolha de prova intrusivos, humilhantes, necessários ou não” a serem o “top da competência”. “Outros magistrados de elevado escalão que seguem esta linha argumentativa e a verbalizando no discurso público também têm o elogio garantido. (...) quem se opõe à estridência processual é rotulado de protetor dos corruptos.”, disse.

E acrescentou:

"Poucos têm pulso para impor o que deve ser a sensatez, a escorreita interpretação jurídica dos factos, o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos suspeitos, a investigação célere."

Maria José Fernandes vai buscar casos julgados para concluir que é necessária autocrítica por parte do Ministério Público. E, do pouco que sobrou do despacho de indiciação, o crime de recebimento indevido de vantagem, nos almoços pagos a João Galamba, Duarte Cordeiro e Nuno Lacasta, a Procuradora pergunta:

"A oferta de um almoço num restaurante caro será uma vantagem? em que se traduz essa vantagem? no prazer da degustação? E se o agente não apreciou a refeição?"

Artigo de Maria José Fernandes contém “erros crassos”, diz sindicato

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público considerou esta segunda-feira que o artigo de opinião da magistrada Maria José Fernandes sobre o MP apresenta "deficiência de argumentação" e "erros crassos" sobre a questão da autonomia desta magistratura.

Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) referiu à Lusa que aquela procuradora-geral adjunta apresenta "uma visão singular e manifestamente não concordante pela quase totalidade dos magistrados do MP", revelando alguns "vícios".

Primeiro - observou - a magistrada apresenta "claras deficiências de argumentação e erros crassos sobre a questão que fala, quer sobre a posição do SMMP sobre a autonomia do MP, designadamente da autonomia interna, quer sobre as considerações que faz sobre o enquadramento de determinados tipos legais de crimes (recebimento indevido de vantagem)".

Outro aspeto criticado por Adão Carvalho resulta da "profunda deslealdade" manifestada no artigo pela magistrada, designadamente porque "sabe que os magistrados do MP, nomeadamente os responsáveis pela investigação que cita, estão sujeitos a um dever de reserva e nunca terão oportunidade de se defenderem publicamente".

"Por outro lado, parece-nos que a procuradora está ela própria a violar esse dever de reserva, pronunciando-se sobre processos que ainda não estão findos" ou concluídos, sublinhou o presidente do SMMP.

Nas palavras de Adão Carvalho, "num tempo em que já há muito burburinho e muita contrainformação na praça pública, é irresponsável que alguém que exerce funções no MP contribua ainda mais para o ruído", tanto mais que internamente a magistrada podia sempre assumir a iniciativa de fazer "denúncias aos órgãos competentes do MP sobre quaisquer situações que considere anómalas ou incorretas".

O dirigente do SMMP frisou que existem "formas de controlo jurisdicional dos atos praticados pelo MP no âmbito do próprio processo, onde esse controlo deve ser exercido, e que, no fundo, garantem que qualquer cidadão tem direito a um processo justo e equitativo".

O presidente do SMMP lembrou que os procuradores do MP que estão à frente do inquérito da Operação Influencer são "magistrados responsáveis, com reconhecida qualidade, e que estão a dar o seu melhor no exercício das competências que lhes estão atribuídas, mesmo num quadro de trabalho excessivo em que se encontram no DCIAP".