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Igreja disponível para ir além do legalmente exigível em indemnizações a vítimas

A Igreja Católica garante estar disponível para ir além daquilo a que estaria obrigada judicialmente no pagamento de indemnizações a vítimas de abusos sexuais, mas a forma como o valor será estabelecido para cada caso está ainda em estudo.

Igreja disponível para ir além do legalmente exigível em indemnizações a vítimas
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A Igreja Católica garante estar disponível para ir além daquilo a que estaria obrigada judicialmente no pagamento de indemnizações a vítimas de abusos sexuais, mas a forma como o valor será estabelecido para cada caso está ainda em estudo.

De acordo com os dados dos primeiros seis meses de atividade do Grupo Vita, criado para dar continuidade ao trabalho da comissão independente que estudou os abusos sexuais na igreja católica, apenas quatro vítimas de abusos manifestaram numa fase inicial a vontade de ser indemnizadas pelos abusos sofridos, mas, em relação a valores a ser pagos, "nenhuma destas pessoas o quantificou", adiantou a coordenadora do Grupo Vita, a psicóloga Rute Agulhas, em conferência de imprensa, em Lisboa.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), o bispo José Ornelas, sublinhou que as indemnizações, em termos formais, são uma matéria jurídica cujo pagamento teria que ser enquadrado naquilo que está previsto na lei, desde que cumpridos os critérios para o efeito.

José Ornelas sublinhou que a Igreja Católica está disponível "para ir além do que pode ser" do ponto de vista estritamente legal, e que espera pelo trabalho do Grupo Vita e da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas para estabelecer critérios para os pagamentos que terão que ser sempre considerados individualmente, face à realidade de cada uma das vítimas.

"O que nós dissemos desde o início e mantemos é que o processo de ajuda e reparação às vítimas, o próprio manual fala de ir ao encontro da pessoa concreta. Portanto, aí surgiu a questão se havia uma tabela de preços para isto, o que não pode ser. Até porque a caracterização de uma eventual reparação depende do dano feito, depende do tempo da ligação, e isso é uma coisa mais complexa de fazer, mas que é só com pessoas concretas", disse José Ornelas.

Através do trabalho do Grupo Vita, acrescentou, a igreja pretende "ir ao encontro" de cada pessoa "e não dar de qualquer forma um valor", algo que para o bispo que preside à CEP "não tem sentido".

Rute Agulhas não tem uma explicação para o facto de apenas quatro pessoas terem manifestado a intenção de ser indemnizadas pelos abusos sofridos, um número reduzido face ao que se passou em outros países, mas acredita que a realidade e situações concretas vividas por cada uma das vítimas justificam "a diferença na forma como se posicionam face à indemnização".

Referiu que muitas vítimas disseram ao Grupo Vita que "não se reveem na figura da indemnização, ou seja, não é isso que vai fazer a diferença" e que teria maior importância e significado uma assunção de culpa por parte da igreja, "ouvir um pedido de desculpas honesto e sincero por parte do suspeito" ou ver mudanças concretas que garantam que os abusos não voltam a ocorrer.

"Isso, de facto, é mais reparador", disse Rute Agulhas.

Sobre o pagamento de indemnizações, a coordenadora do grupo disse que Portugal tem ainda "um caminho recente" nesta matéria, e que seria expectável iniciar os pagamentos após seis meses de diagnóstico.

"É preciso algum tempo para isto ser processado e para que cada país pense qual poderá ser a realidade mais adequada. Eu diria que em Portugal está-se nesse caminho. Aquilo que a Igreja já nos pediu a nós, Vita, e também à equipa de coordenação nacional, estamos num processo de estudo, articulados, para perceber o que poderá fazer sentido em Portugal nesta realidade, para depois podermos partilhar com a Igreja o que é o nosso entendimento. Mas eu diria que ainda é cedo, passados estes seis meses, para termos uma resposta", disse.

José Ornelas confirmou ainda que a CEP foi contactada pela associação de vítimas de abusos pela Igreja Católica 'Coração Silenciado' e que esta será recebida pela CEP, faltando apenas agendar a data.

Criado em abril, no âmbito da Conferência Episcopal Portuguesa, assume-se como uma estrutura isenta, autónoma e independente e visa acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica.

O Grupo Vita surgiu na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que ao longo de quase um ano validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas.