Existem em Portugal cerca de 200 mil pessoas com demência, mas o código penal português nada diz sobre o que fazer quando um juiz tem no banco dos réus um arguido a quem a doença roubou capacidade cognitiva.
Sem regras, o critério de decisão difere. O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu, este mês, suspender provisoriamente o julgamento de um homem acusado de violência doméstica.
Segundo a perícia psiquiátrica: “o arguido apresentava dificuldades de orientação temporal, misturava na mesma sequência acontecimentos com datas muito díspares (...) incapaz de prestar declarações em tribunal e de compreender e apreender com as penas que eventualmente lhe foram aplicadas”.
“Os tribunais não tratam de vinganças, por isso aquilo que se pretende efetivamente é que a pena tenha algum resultado no arguido. Neste arguidos a condenação penal não vai ter qualquer efeito”, explica Maria João Rato, advogada do arguido com demência.
As três desembargadoras que analisaram o caso entendem que, à luz da lei portuguesa, o julgamento penal só é possível se o arguido tiver capacidade de se defender.
“O que é que nós advogados nos confrontamos… com alguém que nem sequer nos pode dizer o que é que efetivamente aconteceu. ora, não há nenhum tribunal que possa tomar uma decisão sobre determinados factos que não tenha a versão da outra parte, penso eu”, diz Maria João Rato.
À data do alegado crime de violência doméstica, o homem, agora com 80 anos, foi considerado imputável, ou seja, capaz de distinguir o bem do mal. A demência é posterior.
“Aquilo que este acórdão da Relação de Coimbra tem de novidade é que vem efetivamente dizer que não se pode levar estas pessoas a julgamento e que estes processos devem ficar suspensos até à prescrição”, explica a advogada do arguido com demência.
O tribunal da Relação de Coimbra suspendeu provisoriamente o processo e pediu nova avaliação psiquiátrica para determinar se a doença é crónica.
O caso é semelhante ao de Ricardo Salgado. A defesa do antigo banqueiro também já pediu a suspensão ou a extinção total do processo por considerar que há incapacidade de defesa do arguido em julgamento. Mas no caso de Salgado a justiça tem tido um entendimento diferente.
O julgamento continua e num dos processo onde já houve condenação o tribunal da Relação de Lisboa entendeu que a doença só deve pesar se Salgado vier a cumprir pena. Nessa altura deve ser o tribunal de execução de penas a decidir se o arguido deve ou não entrar na prisão.