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Ministra da Saúde diz que não "recebeu reporte" de anomalias nas cirurgias quando era presidente do Santa Maria

A atual ministra da Saúde dirigia o hospital quando o valor pago pelas cirurgias adicionais no Santa Maria subiu mais de 50%. A situação veio a público depois de conhecido o caso de um dermatologista que terá recebido mais de 50 mil euros num único dia de trabalho.

Ministra da Saúde diz que não "recebeu reporte" de anomalias nas cirurgias quando era presidente do Santa Maria
PAULO CUNHA/LUSA

O Ministério da Saúde afirmou que, quando foi presidente do Hospital de Santa Maria, Ana Paula Martins "não recebeu nenhum reporte" de anomalias relacionadas com as cirurgias adicionais, salientando que o acompanhamento era feito pelo diretor clínico. 

"O conselho de administração da Unidade Local de Saúde (ULS) de Santa Maria, presidido por Ana Paula Martins - em funções entre 1 fevereiro de 2023 e 31 janeiro de 2024 -, não recebeu nenhum reporte, dos administradores hospitalares dos serviços ou diretores de serviços, que pudesse identificar desvios ou anomalias relacionadas com o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos em Cirurgia" (SIGIC), adiantou o ministério em resposta enviada à Lusa. 

O gabinete de Ana Paula Martins salientou ainda que o então diretor clínico, que se mantém em funções no atual conselho de administração da ULS de Santa Maria, "tinha um acompanhamento próximo de toda a atividade clínica, particularmente da cirurgia adicional". 

Em causa está o valor pago pelas cirurgias feitas em horário adicional na ULS de Santa Maria, que subiu mais de 50% de 2022 para 2023, no ano em que a atual ministra da Saúde dirigiu o hospital. 

Os números das cirurgias adicionais

Os dados enviados à Lusa pelo hospital indicam que, em 2022, foram pagos 9.402.120 euros pelas 7.495 cirurgias feitas em horário adicional e, em 2023, a ULS pagou 14.232.377 euros (+51,3%) por 9.971 daquelas cirurgias. Em 2024 o número de cirurgias em horário adicional subiu para 12.322, pelas quais a ULS pagou 14.510.334 euros. 

A informação do hospital indica que o valor médio pago por cirurgia em horário adicional desceu de 1.427 euros 2023 para 1.177 euros em 2024, um ano em que o hospital bateu recordes de cirurgias, com um total de 37.647 realizadas, cerca de um terço das quais em horário adicional (12.322). 

O ministério referiu ainda que as cirurgias adicionais dependem de acordos estabelecidos entre os conselhos de administração das unidades do SNS e os serviços, que contratualizam as quantidades a realizar e a percentagem de distribuição pelas equipas envolvidas. 

"No caso da ULS de Santa Maria houve um esforçou para operar o maior número de doentes que aguardavam uma cirurgia e que se tinham acumulado em listas de espera no período pandémico devido à suspensão das cirurgias programadas", adiantou a mesma fonte. 

Em 2021, 2022 e 2023 foram tomadas várias medidas pelo Ministério da Saúde para recuperar listas de espera acumuladas durante a pandemia, como o reforço de incentivos à produção adicional e a criação de planos específicos de recuperação da atividade cirúrgica. 

A polémica do dermatologista que ganhou 400 mil euros

Na última sexta-feira, a CNN revelou que um dermatologista do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, terá recebido cerca de 400 mil euros em 10 sábados de trabalho adicional em 2024, o que levou o Ministério Público a abrir um inquérito a este caso e a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) a avançar com um outro inquérito à atividade cirúrgica adicional realizada no SNS. 

Em causa está o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) que o Governo pretende substituir por um novo modelo - o Sistema de Informação Nacional de Acesso a Consulta e Cirurgia (SINACC). 

Em março deste ano, o Ministério da Saúde criou, através de um despacho, um grupo de trabalho para preparar a extinção do SIGIC e a implementação do SINACC, uma das medidas previstas no plano de emergência e transformação da saúde que o Governo aprovou em maio de 2024. 

Na quinta-feira, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, reconheceu lacunas no SIGIC, por ser permeável a "incentivos perversos" atribuídos aos profissionais de saúde.