Uma carta aberta assinada por antigos governantes e deputados do Partido Socialista (PS), entre os quais João Costa e António Mendonça Mendes, está a gerar acesa controvérsia no seio do partido. O documento, divulgado esta terça-feira, expressa "profunda indignação e preocupação" com a demolição de barracas no Bairro do Talude Militar, em Loures, autorizada por autarcas socialistas. Os subscritores denunciam o que consideram ser “a demolição do teto de dezenas de famílias”, sem garantias de alternativas dignas.
A carta acusa a Câmara Municipal de Loures, liderada pelo socialista Ricardo Leão, de falta de sensibilidade social num processo que terá afetado cerca de 50 famílias. No entanto, nem todos os socialistas partilham desta leitura.
Em entrevista à SIC Notícias, o antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, João Soares, foi particularmente crítico da iniciativa dos seus camaradas de partido.
“Em circunstância nenhuma subscreveria essa carta aberta, que considero de profundo mau gosto, sobretudo por vir de camaradas do Partido Socialista”, declarou.
Para João Soares, trata-se de uma “profunda desconfiança num autarca com um trabalho exemplar”, referindo-se ao atual presidente de Loures, Ricardo Leão.
João Soares sublinhou que o direito à habitação “é sagrado”, mas que não se defende com cartas abertas, e sim com construção de habitação condigna.
“As pessoas que estavam neste pequeno bairro de barracas foram todas avisadas da demolição. Não tinham condições mínimas de dignidade, segurança, energia ou saneamento básico”, afirmou.
Segundo o ex-autarca, a Câmara de Loures garantiu ter contactado todos os moradores, oferecendo-lhes alternativas de apoio social.
“Das 50 famílias, só apareceram cerca de 20 pessoas, e dessas, apenas duas ou três aceitaram os esquemas de apoio”, revelou.
Na perspetiva de João Soares, os protestos resultam sobretudo de uma tentativa de “fazer pressão”, apesar de considerar que a câmara apresentou soluções concretas e adequadas.
“A Helena Roseta é arquiteta por isso que se ocupe das questões arquitetónicas"
Na terça-feira, também em entrevista à SIC Notícias, a arquiteta e antiga vereadora Helena Roseta defendeu uma posição oposta. Considerou os despejos ilegais e acusou a autarquia de “abuso de poder”. As suas declarações motivaram uma resposta direta de João Soares: “Tenho respeito pela Helena Roseta, mas ela que me diga quantas casas fez quando foi autarca em Lisboa.”
“A Helena Roseta é arquiteta por isso que se ocupe das questões arquitetónicas e de ajudar na construção das novas casas. As questões jurídicas deixe-as para os muitos licenciados em Direito que temos em Portugal”, acrescentou.
Apesar da polémica, o ex-autarca garante que a Câmara de Loures tem demonstrado “capacidade e dinâmica positiva”, sublinhando que a versão que recebeu indica que não houve violência durante o processo de demolição.
“Foi apenas a execução de uma decisão autárquica”, afirmou.