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Encontros perigosos na costa portuguesa: "Para as orcas é uma brincadeira, para os veleiros não"

Este ano já houve quase 60 encontros com orcas na costa portuguesa, incluindo seis incidentes esta semana na Costa da Caparica, Cascais, Algarve e Peniche. Estes animais já levaram barcos a afundar, mas a comunidade científica acredita que o objetivo é brincar, não atacar.

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São cada vez mais frequentes os incidentes com orcas na costa portuguesa. Só na ultima semana, seis veleiros estiveram envolvidos em acidentes e um deles acabou mesmo por afundar.

São situações cada vez mais recorrentes e que já estão a ter impacto económico, com empresas a cancelar viagens e a desviar rotas para evitar interações.

"Tudo passa pela cabeça e é muito mau, é terrível", conta à SIC o velejador Paulo Oliveira. "Tentámos fugir mas eu tenho a sensação de que logo no primeiro impacto que a orca fez, ficámos sem leme. É uma impotência completa, não podemos fazer nada."

Paulo e três amigos seguiam num dos veleiros do clube de Oeiras Nautic Squad em direção a Sesimbra para um fim de semana de praia e descanso. Quando passavam pela Costa da Caparica aperceberam-se de algo estranho.

"Reparámos que havia um barco que fez uma manobra que para nós era estranha. Eles viraram rapidamente para terra e andavam às voltas. Fui buscar os binóculos ao barco e quando desci a cabine para subir, estava uma orca ao nosso lado, a empurrar o barco."

Os danos na embarcação eram graves e a água começou a entrar. A tripulação saiu a tempo, ajudada pelos pequenos barcos com turistas que se encontravam naquela zona à espera para ver golfinhos.

O barco tinha seguro, mas está agora no fundo do mar e retirá-lo tem custos elevados: poderá custar ao clube mais de 10 mil euros.

"Nunca achamos que nos vai acontecer a nós. Nem durante o acontecimento nós acreditávamos que estava a acontecer. Mas pronto, acontece."

Este ano já houve quase 60 encontros com estes animais, mas desde que há registo menos de uma dezena levou ao naufrágio das embarcações.

Só esta semana as autoridades registaram seis incidentes, na Costa da Caparica, Cascais, Algarve e Peniche.

Os biólogos lembram que estes animais são uma espécie protegida, que está em perigo.

"Foi verificado pela primeira vez em 2020 toques nos lemes das embarcações. Começou com juvenis, na altura foi interpretado, e ainda se considera que seja, curiosidade", explica Mariana Sequeira, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

"O problema é que ao longo dos anos, mais animais foram aprendendo este jogo ou este comportamento. E o que começou inicialmente com três juvenis, neste momento é feito por um número muito maior de indivíduos da população. Esta população tem 40 animais e nós calculamos que cerca de metade da população pode já ter aprendido este comportamento."

"Estas orcas descobriram um brinquedo", acrescenta o biólogo Élio Vicente. "O leme é uma parte móvel da embarcação que não só é um brinquedo que se mexe mas também é um brinquedo que faz barulho" (...) "Acima de tudo, não esquecer que nós é que estamos a entrar no habitat destes animais e, portanto, eles não estão a fazer nada de negativo na perspetiva deles".

Também o biólogo Rui Rosa aponta que a maioria da comunidade científica considera que estes não são comportamentos agressivos.

"Temos de ver que estes animais podem atingir até 11 toneladas. Um comportamento agressivo de um animal com esta dimensão provavelmente seria de uma outra escala."

Fernando Sá, dono de uma escola náutica que também disponibiliza barcos para passeio. Já sentiu uma quebra no volume de negócios desde que estas interações com as orcas começaram.

"Isto para as orcas é uma brincadeira mas para o veleiro não é", lembra. "Como as orcas estão aqui nesta zona, proibimos as saídas da Barra do Tejo com os nossos barcos. O número de embarcações passantes, aqueles barcos que vêm do norte da Europa e que passam aqui nesta zona têm vindo a diminuir. As embarcações que normalmente iam para o Algarve no verão, reduziu-se muito as embarcações que vão para baixo e para cima."