O Futuro do Futuro

“Um dos robôs mais interessantes é o Paro, uma foca que ajuda doentes com demência e Alzheimer a acalmarem e sentirem-se melhores”

Ana Paiva, especialista em robótica social, está convicta de que em breve os robôs poderão atuar como “um motor de humanidade” quando fazem companhia a humanos solitários, mas também está ciente de que a Inteligência Artificial pode ter um lado perverso no comportamento das pessoas se for usada sem critério ou cuidado: “Tem de ser claro que é um chatbot, que aquilo é gerado por uma máquina, que não é um humano que está lá por trás”, avisa a cientista em entrevista ao Futuro do Futuro. Oiça aqui a entrevista

A Inteligência Artificial passou a acumular preconceitos à medida que foi evoluindo com dados que vieram do passado, mas Ana Paiva, professora do Instituto Superior Técnico, aponta para uma solução possível: “Em vez de treinar com o passado, devíamos treinar com o futuro que queremos que a Inteligência Artificial (IA) ajude a criar”, responde a investigadora que é uma referência na robótica Social, durante a entrevista ao podcast Futuro do Futuro.

Num exemplo sobre a transmissão de preconceitos associados ao machismo, a investigadora do Técnico recorda as experiências com crianças que tratam os robôs no masculino, mesmo quando têm vozes femininas. E dá ainda conta de plataformas de IA que levam o estereótipo à prática quando desenham de forma autónoma professores de robótica como “homens velhotes”.

Ana Paiva, professora do Instituto Superior Técnico, lembra que os robôs admite que os robôs podem funcionar como um "motor de humanidade" quando fazem companhia aos mais idosos que vivem sozinhos
José Fernandes

“É interessante ver que, por exemplo, em Portugal, devido à nossa linguagem, nós consideramos um robô. Um robô! Logo, será sempre masculino”, acrescenta a investigadora, admitindo que a Inteligência Artificial e os robôs não têm género.

Ana Paiva recorda que há mais de uma década que se repetem as previsões que dão conta de que os robôs haverão de invadir casas e postos de trabalho dentro de três ou quatro anos, mas essas previsões têm fracassado repetidamente. “Não estamos ainda numa situação em que conseguimos que o robô faça o meu bacalhau à brás, não é?”, lembra Ana Paiva.

Poucos serão os robôs que sabem cozinhar, e os que existem são extremamente caros – mas no instituto INESC-ID já há um robô que sabe jogar à sueca. Chama-se EMYS e foi devidamente treinado por investigadores do Instituto Superior Técnico e do Instituto INESC-ID com base nas regras do jogo e também em dados e vídeos sobre o comportamento de jogadores humanos em centros de dia para idosos.

Foi precisamente para dar a conhecer as habilidades do EMYS que Ana Paiva trouxe, em resposta a um dos desafios do Futuro do Futuro, um vídeo de algumas partidas de sueca que já têm a intervenção do curioso autómato que fala e reage com mimetizações de estados emocionais.

Ninguém espera que o autómato faça batota, apesar de não faltarem humanos que tentam trocar as voltas às regras do jogo, como confirma Ana Paiva. “Somos, naturalmente, desconfiados das máquinas”, diz também a cientista.

José Fernandes

Num segundo desafio colocado no Futuro do Futuro, Ana Paiva trouxe uma imagem em que protagoniza uma aparente demonstração de afeto por um robô – mas a investigadora do Técnico e do INESC-ID logo desmistifica a ideia de que os robôs estejam em condições de lidar com as emoções, mesmo quando as conseguem replicar.

“As emoções humanas estão associadas ao nosso corpo. Nós somos orgânicos. Os robôs são máquinas. E, portanto, as emoções que podemos sintetizar estão na expressão. São coisas que podem ser inspiradas na forma como nós, humanos, sentimos as emoções, mas não são as emoções humanas que nós conseguimos meter na máquina. Essas nós não conseguimos fazer”, esclarece.

A relação com os autómatos pauta-se por aparentes contradições: Ana Paiva rejeita que as máquinas estejam em condições de “sentir” emoções, mas no Japão, os robôs Paro já são usados como entidades de companhia para idosos em cenários de solidão. Estas experiências têm permitido produzir resultados auspiciosos entre pacientes de doenças demenciais, que ficam assim mais calmos. E Ana Paiva está convicta de que os robôs haverão de ter um papel decisivo para gerar companhia e até ajudar idosos que vivem sozinhos.

Em que situações é que faz sentido eu ter um robô a fazer companhia? Em situações em que não é possível ter lá um humano. E isso vai acontecer claramente nos próximos anos, nomeadamente com os idosos”, prevê a investigadora.

Em contrapartida, notícias mais recentes dão conta de que um jovem britânico elaborou um plano para matar a Rainha Isabel II, no Reino Unido, depois de passar dias em conversação com um agente de Inteligência Artificial, que o terá encorajado a prosseguir com esses planos.

Ana Paiva mantém um tom mais otimista quanto à robótica, mas admite que o crescendo de agentes de inteligência artificial e robôs dialogantes abre caminho a situações nefastas para a psicologia humana, durante os próximos tempos. “Uma das coisas mesmo muito importantes é educar os nossos jovens, as nossas crianças, conseguirem ter o espírito crítico para perceberem que estes sistemas estão a fazer manipulação, não são reais, não são uma pessoa”, avisa.

Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos

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