Geração 70

António Zambujo: o homem da lambreta, que só viaja de comboio, gostava de cantar com “o rei da música”

A taberna onde tudo começou, o papel de “canastrão” e o cante alentejano numa conversa em que António Zambujo não deixou de falar do preconceito em relação aos maiores sucessos do seu repertório e ainda os músicos com quem gostaria de vir um dia a cantar. O “rei da música” já lhe respondeu.

António Zambujo: o homem da lambreta, que só viaja de comboio, gostava de cantar com “o rei da música”
TOMAS ALMEIDA

António Zambujo nasceu em Beja, em 1975, e cresceu ao som do cante alentejano, uma das influências maiores da sua carreira. Aos 8 anos, já estava a estudar clarinete, mas o fado esteve quase sempre lá e é uma das suas paixões.

Em pequeno cantava em família e entre amigos, numa taberna ao lado da casa da avó; aos 16 anos, ganhou um concurso de fadistas e anos mais tarde dava nas vistas nas casas onde cantava Amália e outros que o inspiraram.

Depois veio o palco de La Feria, em Lisboa, onde confessou ter feito um papel de canastrão, mas a experiência ajudou-o a enfrentar as luzes. Ainda hoje não gosta que lhe tirem fotografias. Tarefa difícil depois de tantos retratos de sucesso, como a ‘Lambreta’, o ‘Pica do 7’ ou ainda os 28 coliseus, de Lisboa e do Porto, que, em conjunto com Miguel Araújo, ficarão certamente na história da música nacional.


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A taberna junto à casa da avó

A grande inspiração musical começou na Taberna do Sintra, em Beja, junto à casa da avó, onde Zambujo teve o primeiro contacto com os grupos corais alentejanos.

“Eles juntavam-se ali, começavam a cantar e eu ficava muito impressionado com aquilo. Tinha 4, 5 anos, ouvia as músicas e depois a minha avó ensinava-me as letras todas. No dia seguinte, quando chegava perto dos homens, já sabia aquilo tudo.”

António cresceu com a avó e dois primos, com quem passava o tempo, em Beja, e ainda hoje recorda com emoção a primeira vez que veio a Lisboa.

"Comecei a vir a Lisboa muito novo, porque tinha irmãs do meu pai a viver cá. Era uma festa vir a Lisboa, era completamente diferente, a sensação de vir à cidade grande, de espanto".

Aos 25 anos mudou-se para a capital, mas sempre que tinha tempo livre voltava a Beja. “No início foi complicado, porque ainda não tinha raízes em Lisboa.”

TOMAS ALMEIDA

“Acho que Portugal anda a duas velocidades”

Filho de pais católicos, o músico cresceu mais na rua do que na missa, mais a brincar do que a ouvir conversas sobre política.

Hoje, olha com preocupação para as sondagens que revelam o crescimento da extrema-direita em Portugal e afirma: “Acho que Portugal anda a duas velocidades. A Norte noto sempre outro dinamismo, outra energia e poder de iniciativa. De Lisboa para sul sinto que as coisas estão a regredir, que as prioridades foram trocadas. Viajo pela Europa e só ando de comboio. Quando chego aqui a Portugal parece que estou mais próximo do Brasil, onde acabaram com as linhas de comboio, do que do resto da Europa.”

Aos 48 anos, António Zambujo é um dos maiores autores e intérpretes contemporâneos da música e da língua portuguesa, com uma carreira firmada em palcos nacionais e internacionais. Depois de nove álbuns, entre eles ‘O mesmo fado’, ‘Por meu cante’, ‘Guia’, ‘Rua da Emenda’, o músico edita, em 2023, o seu décimo álbum de estúdio, ‘Cidade’, escrito e composto pelo músico e amigo Miguel Araújo.

“Em Portugal, em geral, há preconceito com o sucesso”

“Musicalmente acho que continuo a fazer as mesmas coisas. A diferença é o público, que determina os sucessos. Em Portugal, em geral, há preconceito com o sucesso. Parece que as pessoas não podem ter sucesso ou quando uma música faz um bocadinho mais sucesso, há sempre uma tendência para um determinado tipo de público deixar de seguir. Mas eu acho que o sucesso é uma coisa que faz parte e é bom”.

O sonho de cantar com Quim Barreiros

Durante a conversa, o Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, fala sobre a carreira musical, os concertos em todo o mundo e os grandes sucessos do seu repertório. Admite ainda que adorava um dia vir a cantar com Quim Barreiros.

“Já estive com ele uma vez, nunca cantamos juntos, mas gostava muito de cantar. Acho-o espetacular, aquelas letras são geniais e ele tem uma marca própria. Ele é o rei da música, chega a fazer três concertos num dia”.


A resposta de Quim Barreiros

O “Mestre da Culinária” já reagiu: “Traz a Lambreta e estacionamos na Garagem da Vizinha”.

A resposta bem humorada do acordeonista de Vila Praia de Âncora chegou através do Instagram: “António Zambujo, onde, quando e a que horas? Traz a lambreta e damos uma voltinha e no fim ainda estacionamos na garagem da vizinha”, numa alusão aos célebres temas “Lambreta” (António Zambujo) e “Garagem da Vizinha” (Quim Barreiros).

Colaboração à vista?

“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.

Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.