Após batalhas judiciais para evitar que o suporte de vida de seu filho fosse retirado, Hollie Dance e Paul Battersbee apelaram, esta quarta-feira, ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. A resposta da instância judicial europeia não foi, mais uma vez, a desejada pelos pais: o Tribunal informou que não vai interferir na decisão do Supremo britânico.
Archie Battersbee foi encontrado inconsciente em casa pela mãe, com uma ligadura no pescoço. Hollie Dance acredita que o que aconteceu foi resultado de um desafio viral na rede social Tik Tok, que consiste em cortar o fornecimento de oxigénio ao cérebro até se perder a consciência.
Como se chega ao diagnóstico de morte cerebral?
Tiago Proença dos Santos, neuropediatra do hospital de Santa Maria, explica que para ser declarada a morte cerebral "tem que haver uma explicação lógica para o estado do indivíduo", como lesões graves no cérebro. No caso de Archie, o jogo ter-lhe-á causado uma isquemia, ou seja, um bloqueio do fluxo sanguíneo no cérebro.
"Em algumas situações sabemos que as lesões são extensas e que não há qualquer possibilidade de sobreviver. O cérebro perde as funções mais básicas que estão no tronco cerebral, como o estímulo para respirarmos, para quando nos engasgarmos, tossirmos", esclareceu.
E são estas funções básicas que são testadas antes de ser declarada a morte cerebral. De acordo com o neuropediatra, os médicos avaliam a capacidade de o indivíduo conseguir respirar sem o ventilador, realizam uma aspiração da garganta para testar o reflexo da tosse, testam a resposta a um estímulo doloroso, entre outros testes.
Nestes casos, também "é importante excluir medicamentos que façam depressão do estado de consciência" uma vez que podem inibir uma resposta do organismo, afirma Tiago Proença dos Santos.
"É o somatório de tudo isto que permite fazer o diagnóstico (...) Quando todos os critérios estão cumpridos e se fazem exames que demonstram que o cérebro tem as suas funções mais básicas comprometidas, sabemos que o indivíduo já não existe. Aquela pessoa morreu e não há qualquer hipótese de reversibilidade das lesões", disse em entrevista à SIC Notícias.
Quais são os procedimentos em Portugal?
Em Portugal, cabe à equipa médica que acompanha o indivíduo em coma decidir sobre a retirada do suporte artificial de vida. Os familiares são auscultados, mas a "decisão técnica" é tomada pelos clínicos, declara o neuropediatra do hospital de Santa Maria.
O caso de Archie foi levado à Justiça pela família, mas os tribunais acabaram por contrariar a vontade dos pais e dar luz verde à decisão dos médicos. Também em Portugal as deliberações clínicas têm sido respeitadas pelos tribunais, refere Tiago Proença dos Santos, acrescentando:
Ninguém está preparado para a morte de uma criança. A decisão tem que ser comunicada tranquilamente. É sempre uma situação difícil.
Quais são os problemas de se prolongar uma vida de forma artificial?
"A evolução tecnológica que ocorreu no século XX permitiu que os médicos e serviços de saúde conseguissem manter a vida de um indivíduo de forma artificial", começou por explicar o neuropediatra do hospital de Santa Maria. Com o suporte de vida e medicação, é possível manter o coração a bater, os pulmões a receber ar e os rins a funcionar - "uma situação que anteriormente era irreversível".
Mas até quando? A necessidade de colocar um travão ao prolongamento de uma vida de forma artificial trouxe, na década de 60, o conceito de morte cerebral, explicou Tiago Proença dos Santos.
"Não é lógico perpetuar uma vida de forma artificial, quer do ponto de vista familiar e económico", disse.
Também Jorge Amil Dias, Presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, sublinha, em entrevista à SIC Notícias, que os hospitais têm que fazer uma gestão de recursos:
Se pusermos 20 pessoas simplesmente a bombar oxigénio, corremos o risco de deixar morrer 20 pessoas que podiam sobreviver se tivessem os cuidados adequados.
O pediatra disse ainda que ninguém "se quer imaginar a viver uma situação destas com um familiar", mas assinalou o trabalho desenvolvido pelas equipas médicas.