Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

Saúde e Bem-estar

Saúde para todos? Indo ao que importa

“Saúde para todos” foi o mote do Dia Mundial da Saúde comemorado no dia 7 de abril. Opinião de Tiago Correia, comentador SIC, professor de Saúde Internacional.

Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS
Johanna Geron/ AP

A 7 de abril assinalou-se o Dia Mundial da Saúde com o mote “Saúde para todos”. Se muitos reconhecem que se trata de um problema por resolver, poucos dizem como consegui-lo. O diretor-geral da OMS fê-lo e acrescentou que a mudança deve começar em cada país. E em Portugal, fazemos o que é necessário?

“Saúde para todos” foi o mote do Dia Mundial da Saúde comemorado no dia 7 de abril. Saúde para todos significa tornar os cuidados acessíveis em todas as regiões do mundo, independentemente da condição financeira de cada pessoa e permitir a concretização do seu bem-estar físico, psicológico e social.

Qualquer data simbólica corre o risco de ser inundada por mensagens que servem mais um cerimonial ritualista caído em esquecimento no dia seguinte do que um genuíno interesse por mudanças efetivas.

A 7 de abril houve muito disso, mas houve algo mais. E este algo mais veio de Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. Entenda-se porquê.

Cheios de razão, os cidadãos interrogam-se pela persistência de tantas iniquidades na saúde e de doenças evitáveis. Afinal, não faltam diagnósticos que mostram o que está mal e o que precisa ser feito. Tenho dito – e direi até à exaustão – que esta inércia explica-se por defeitos políticos que se encontram no espaço internacional e em Portugal.

O primeiro desses defeitos é o facto de a ideia de que a despesa em saúde traz ganhos económicos e de coesão social a médio-longo prazo ter sido substituída por uma gestão simplista, de tacticismo imediato e que permite o negócio no centro dos sistemas de saúde.

Foi este o dedo que Tedros Ghebreyesus pôs na ferida. Não admito que este comentário seja classificado de esquerda porque é de direitos humanos que se fala.

Há dois raciocínios na mensagem de Tedros Ghebreyesus.

O primeiro, é não esquecer que a saúde individual decorre de complexas relações entre política, economia e ambiente. Advogar “saúde para todos” implica reconhecer que o modo como as pessoas vivem a sua vida individual depende da intervenção nos sistemas de saúde, na agricultura, na veterinária, na indústria, na ciência ou na educação.

Sem negar as causas genéticas das patologias, a saúde pública mostra que a esmagadora maioria das doenças – transmissíveis e não transmissíveis – decorre, ou é gerível, através das condições de vida e do acesso e qualidade das escolas, locais de trabalho, habitações, alimentos, água e ar.

O segundo raciocínio diz respeito aos determinantes comerciais da saúde. Significa que os principais riscos para a saúde estão relacionados com indústrias globais. É o caso do tabaco, álcool e alimentos processados. O que está em causa não é apenas a força política e económica destes colossos capitalistas, mas também o facto da subsistência de muitas pessoas depender destes modelos de negócio.

A forma de lidar com o problema não está em reivindicar o fim da acumulação privada do capital, mas em garantir que respeita os princípios da igualdade humana e da sustentabilidade do planeta. Algumas das marcas que consumimos habitualmente já perceberam esta exigência e têm alterado processos de produção, distribuição e consumo.

Mas os governos não podem ficar à espera da consciência social dos investidores. A política não pode ter medo da regulação, da proibição e da fiscalização sob pena de se demitir daquilo para o qual está mandata. Reequilíbrios de poder e de informação entre o bem público e o interesse privado são exigidos no tempo atual. Caso contrário, a desinformação aumentará tanto quanto a desconfiança nas instituições.

É através da sociedade civil ativa, do poder judicial independente, do equilíbrio de poderes entre instituições democráticas e da ciência livre que melhor se articula a relação público-privada na saúde. O volume de capital e a produção de conhecimento do setor privado são insubstituíveis. O que importa é colocar limites à autorregulação através da responsabilização e da transparência. Isto deverá começar no interior de cada país.

E em Portugal? Por um lado, o debate sobre o lugar dos privados continua polarizado como se ainda vivêssemos a década de 80. Por outro, muito pouco do que é necessário tem sido feito para a regulação e fiscalização política do setor privado. A incapacidade de implementar o inventário nacional de profissionais de saúde, que data de 2015, é um dos expoentes máximos deste argumento.