A proteção da saúde mental de crianças e jovens é de especial importância. Estima-se que metade dos distúrbios mentais na vida adulta tenham início na infância e adolescência. Além disso, as idealizações e tentativas de suicídio tendem a ser elevadas nestas faixas etárias. Talvez mais importante seja reconhecer que intervenções em momentos iniciais da vida e dos problemas atingem resultados positivos mais rápidos e duradouros.
Sabe-se que as doenças mentais continuam muito presas a estigmas. Estigmas significam atitudes e comportamentos estereotipados – generalizações abusivas e infundadas – em relação a sinais físicos e verbais de outras pessoas. É como colocar um rótulo a alguém sem o devido conhecimento acerca dessa pessoa ou da sua condição de saúde.
Alguns dos estigmas mais comuns ligados às doenças mentais são: fraqueza, desequilíbrio, falta de autocontrolo, violência e incapacidade de recuperação.
O estigma é tão forte e está tão enraizado porque existe em diferentes camadas da sociedade. Há o chamado estigma estrutural quando as instituições restringem, ou não protegem, direitos e oportunidades das pessoas diagnosticadas com transtornos de saúde mental. Há o estigma social quando influências culturais e de convivência levam à construção de estereótipos em relação às doenças mentais e às pessoas diagnosticadas. Há ainda o estigma para o próprio (ou auto-estigma), em que as pessoas que lidam com condições de saúde mental interiorizam na sua vida o estigma institucional e social, condicionando os seus comportamentos, atitudes e capacidade de gerir essa condição.
A melhoria da saúde mental das crianças e jovens depende essencialmente de dois fatores: um é existir respostas contínuas, de proximidade e com valências multidisciplinares; o outro fator é garantir a adesão das crianças e jovens a esses apoios. Além do suporte dos pais, é determinante que as crianças e jovens consigam deixar de sentir estigma.
A preocupação sobre este assunto está a aumentar entre pedopsiquiatrias pedo-psicólogos. Isto, porque há alguma evidência de que a procura por cuidados de saúde mental por parte de pais e de jovens não acontece com a frequência esperada mesmo quando há oferta de serviços de proximidade, multidisciplinares e que prestam um acompanhamento personalizado.
Começa-se a perceber que parte do problema pode ser explicado pela maior atenção que precisa ser dada ao modo como crianças e jovens sentem os estigmas que recaem sobre si.
O que os estudos estão a mostrar é que os próprios pacientes e seus familiares têm uma baixa literacia sobre saúde mental e que carregam culpa, medo e vergonha. Os sinais são claros quanto a estas pessoas trazerem consigo auto-estigmas pronunciados devido ao trabalho que continua por ser feito a nível das escolas e da aprendizagem da população em geral. Isso também afeta o contacto com os profissionais de saúde, na medida em que pais, crianças e jovens esperam à partida ter de enfrentar todos esses estereótipos, mesmo quando isso não acontece.
O pior efeito disto é o facto destas pessoas e aqueles que as rodeiam – família, amigos, escola – desconsiderarem os sintomas, como se fossem fraquezas ou ‘mariquices’. Percebe-se que isto atrasa a procura de ajuda e a aceitar um diagnóstico.
Mesmo durante o tratamento, o auto-estigma de crianças e jovens não desaparece como que por magia. Muitos escondem dos profissionais as oscilações que vivem ou o facto de não sentirem as melhorias que esperavam. Tudo isto só se minimiza através da construção de relações de confiança com equipas estáveis e dedicadas que consigam desfazer o auto-estigma que vem detrás e que teima em não desaparecer.
Isto é particularmente importante numa altura em que se discutem as melhores respostas de saúde mental para crianças e jovens em Portugal. Recentemente, a Direção Executiva do SNS encerrou a urgência noturna de pedopsiquiatria a funcionar no Hospital Dona Estefânia passando esses casos para as urgências de pediatria. À contestação das chefias desse hospital e da Sociedade Portuguesa de Pediatria contrapõe-se o argumento de que perante a falta de profissionais deve-se privilegiar o reforço de serviços de proximidade, monitorização e dotadas de equipas multiprofissionais.
Esta opção, mesmo comportando um peso mediático difícil de gerir, vai ao encontro do que se sabe ser necessário para melhor combater o estigma que crianças e jovens vivem na saúde mental.