Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

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Opinião

Como levar médicos para o interior?

Portugal não é exceção, nem tampouco o desafio é novo. Os médicos são o grupo profissional em que tem havido maior dificuldade de colocação fora das grandes cidades do litoral.

Como levar médicos para o interior?
ANTÓNIO PEDRO SANTOS

A qualidade de cuidados e a saúde da população tendem a piorar nas regiões interiores e rurais. Esta relação entre saúde e geografia foi vista noutro texto, no qual foi dito que a falta de profissionais explica parte do problema.

A colocação de profissionais onde são necessários desafia todos os sistemas de saúde. O desafio tem aumentado porque a entrada de jovens quadros não é suficiente face ao aumento e envelhecimento da população. A par da demografia, a maior concorrência com o setor privado agudiza o problema nos serviços públicos.

Portugal não é exceção, nem tampouco o desafio é novo. Os médicos são o grupo profissional em que tem havido maior dificuldade de colocação fora das grandes cidades do litoral.

Sucessivos governos têm tentando várias medidas. Falo de medidas porque a falta de racionais lógicos, integrados, planeados, sustentados e avaliados impossibilitam que a estes esforços meritórios se chamem políticas públicas. Nos últimos 15 anos destacam-se: a contratação de médicos cubanos, a atividade parcial de médicos aposentados e incentivos financeiros e de carreira.

O Ministério da Saúde e a Direção Executiva do SNS voltaram a eleger como prioridade a criação de incentivos para a fixação de médicos. A decisão está correta, não só porque as medidas anteriores não produziram resultados e porque o problema tenderá a piorar, como também, porque o modelo entretanto criado de fecho rotativo das urgências de obstetrícia baseou-se no argumento de que seria temporário enquanto novas soluções para a fixação de médicos seriam desenhadas.

Haverá uma dúvida fundamental na mente de Manuel Pizarro e Fernando Araújo: como ser bem-sucedido onde outros falharam? A resposta deve partir de três premissas ausentes nas malsucedidas medidas de fixação de médicos.

Essas premissas são:

1. Compreender as expectativas dos médicos que se pretende que sejam fixados noutro local. Trata-se de uma auscultação direta e não de suposições abstratas que não têm adesão à vida de pessoas concretas.

2. Essas expectativas implicam um conjunto integrado de medidas de realização pessoal e profissional e, que além disso, têm de ser de longo-prazo. Não será por medidas avulsas e temporárias que se consegue convencer alguém a mudar de projeto profissional e de vida. Sabe-se que é preciso conjugar condições de trabalho, financeiras, de carreira e de vida.

3. O desenho dos apoios deve estar em linha com a fase da vida dos profissionais. As expectativas e exigências de jovens médicos não serão as de médicos mais velhos. A dedução lógica deste argumento é que qualquer desenho de soluções deve partir da identificação prévia dos perfis pretendidos para esta política: pretende-se incidir sobre os internos para iniciarem um projeto de raiz ou sobre os especialistas mais diferenciados para dirigir equipas? Pretende-se resgatar especialistas que saíram do SNS ou pretende-se trazer médicos estrangeiros ou que tenham emigrado? É intuitivo perceber que apontar para cada um destes perfis terá implicações sobre como concretizar a política.

Estas premissas decorrem de uma sólida evidência científica internacional de que as mesmas medidas podem ter resultados contrários em países e contextos diferentes. Um exemplo claro é dizer que o aumento salarial é fundamental para esta política. Pode ser verdade, mas é demasiado vago. Quanto deverá ser esse aumento? Por quanto tempo deve manter-se? Que apoios complementares são mais valorizados? Os de habitação? Os de permissão de complemento da atividade privada? Os de condições laborais?

Estas perguntas dão conta do grau de detalhe a que se deve ir para o correto desenho de políticas de atração e retenção de médicos onde são necessários. Há mais de 260 fatores identificados na literatura que influenciam a adesão dos médicos à deslocação para regiões rurais e interiores.

Não há fórmulas mágicas nem sucessos de antemão. Agora, é claro qual deve ser o ponto de partida e o quanto isso tem faltado aos sucessivos governos.