Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

Saúde e Bem-estar

Opinião

Alguém em casa fuma cigarros eletrónicos? Então, leia este texto

Faltam campanhas mais efetivas dirigidas aos jovens que permitam fazer com que a perceção de risco prevaleça face ao estilo cool de ter um gadget na boca. Opinião de Tiago Correia, comentador SIC, Professor de Saúde Internacional.

Alguém em casa fuma cigarros eletrónicos? Então, leia este texto
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Os jovens estão a consumir mais cigarros eletrónicos e outros produtos de inalação de vapor, esta é a conclusão de um novo estudo.

Após o sucesso do incómodo de se ter de fumar na rua e separado dos amigos, de ser caro e da noção do quão desagradável é o cheiro e o hálito, os cigarros eletrónicos voltaram a fazer do fumo uma coisa fixe.

O consumo habitual aumentou 19% em 7 anos (entre 2011 e 2018) nos EUA e 24% em 4 anos (entre 2010 e 2014) na Europa. Quase metade dos jovens europeus entre os 7º e 12º anos de escolaridade dizem já ter experimentado algum destes produtos. Estes números podem estar abaixo do consumo real, considerando que muitos jovens optam por negá-lo.

Os confinamentos durante a Covid-19 fizeram baixar este padrão, mas o aliviar das restrições trará um novo aumento, talvez mais intenso.

A situação parece ser diferente noutras latitudes, como a Ásia e América Latina, com prevalências de consumo mais baixas. Contudo, não é claro se a razão se prende com normas culturais e padrões de consumo de tabaco diferentes, menor poder de compra, indisponibilidade destas tecnologias ou a necessidade de mais estudos sobre o assunto.

Importante é perceber o que motiva este consumo. Face ao tabaco tradicional, adolescentes e jovens adultos parecem gostar mais do sabor, da utilização discreta, do acesso fácil, pelo desejo de experimentar, pela publicidade apelativa e porque os gadgets despertam natural interesse.

Destas motivações, a que mais preocupa é a perceção de maior segurança. Os consumidores dos cigarros eletrónicos têm a resposta bem ensaiada: não têm ou têm baixos níveis de substâncias tóxicas e aditivas encontradas nos cigarros tradicionais.

Os cigarros eletrónicos são de facto uma boa alternativa para os fumadores crónicos. Não só reduzem a quantidade de substâncias que inalam, como os estudos internacionais mostram que a probabilidade de deixar de fumar é 1.5 vezes superior face a fumadores que mantêm o tabaco tradicional.

Mas isto é radicalmente diferente de dizer que os cigarros eletrónicos são inofensivos. Uma coisa é fazer menos mal, outra bem diferente é não fazer mal nenhum, e os cigarros eletrónicos fazem mal.

Estes produtos estão associados a doenças respiratórias, como a asma e a doença pulmonar obstrutiva crónica, mas também a insónias, dores de cabeça, tosse persistente e dificuldade de concentração. Estas evidências só agora começaram e vão aumentar à medida que o consumo se tornar crónico.

O maior risco de todos é aumentar a iniciação do consumo entre jovens. Mesmo que estes cigarros sejam mais inofensivos do que o tabaco tradicional, o consumo inicial de cigarros eletrónicos aumenta em 30% a probabilidade de consumo de cigarros tradicionais, tanto ocasionalmente como de forma habitual.

A ver se nos entendemos: os cigarros eletrónicos podem ser úteis para os fumadores que pretendem deixar de fumar, mas agravam o risco de dependência entre os não fumadores.

A pouco e pouco os governos vão ganhando consciência do problema. Singapura, Tailândia ou Emirados Árabes Unidos já baniram estes produtos. Na generalidade dos países, o cerco vai apertando entre o aumento da idade mínima permitida, a transposição das restrições de consumo do tabaco tradicional, o aumento do preço, a proibição da adição de sabores e a limitação de publicidade em redes sociais.

Por isso, saúda-se a nova Lei do Tabaco que o governo português fez entrar em vigor no início de 2023. Entre as principais alterações destaca-se a equiparação dos cigarros eletrónicos a cigarros tradicionais, regras mais exigentes para o fumo em estabelecimentos fechados e a proibição de menores permanecerem em salas de fumo.

De resto, faltam campanhas mais efetivas dirigidas aos jovens que permitam fazer com que a perceção de risco prevaleça face ao estilo cool de ter um gadget na boca.