Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

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Quando os políticos desistem

O caso de Ardern apenas tem paralelo com o do antigo primeiro-ministro norueguês Kjell Bondevik, que suspendeu o mandato para tratar uma depressão. Opinião de Tiago Correia, comentador SIC, Professor de Saúde Internacional.

Jacinda Ardern durante uma entrevista em dezembro de 2022.
Jacinda Ardern durante uma entrevista em dezembro de 2022.
Hans Weston/ AP

Jacinda Ardern, primeira-ministra neozelandesa, anunciou com estrondo a sua renúncia após 5 anos no cargo. Os motivos apontam para um estado de saturação emocional e psíquica.

O eco ampliado e além-fronteiras do burnout da futura ex-primeira-ministra justifica-se por não ser visível um único motivo aparente, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com vários membros do Congresso norte-americano que estão a receber tratamento psiquiátrico após a invasão do Capitólio a 6 de janeiro de 2021. O caso de Ardern apenas tem paralelo com o do antigo primeiro-ministro norueguês Kjell Bondevik, que suspendeu o mandato para tratar uma depressão.

Kjell Bondevik e Jacinda Ardern expõem o elefante na sala: afinal como está a saúde mental dos decisores políticos? A pertinência da pergunta é óbvia, considerando o nível desmedido das suas responsabilidades, responsabilização, contestação e volume de trabalho. Dados do Parlamento inglês mostram que o horário semanal dos deputados excede quase sempre as 50 horas e pode chegar às 70 horas.

Mas, apesar dos óbvios fatores de stress a que os políticos estão sujeitos, não se conhecem muitos estudos que avaliem o estado da sua saúde mental. E talvez isso seja a primeira explicação para o estrondo do anúncio de Ardern. O que causa estranheza é o motivo de desinteresse sobre o assunto, ainda para mais quando a importância da saúde mental entrou na retórica política.

A qualidade das decisões dos políticos devia importar tanto quanto a qualidade das decisões de médicos, enfermeiros, controladores aéreos ou pilotos importa. A questão é que sobre estes sabemos muito mais sobre o seu desgaste físico e emocional e há leis que visam evitar o burnout.

Se é fácil perceber a fundamentação nestes casos - proteger aqueles cuja profissão os expõe a fatores de risco desmedido e proteger a população que beneficia de decisões seguras, discernidas e ponderadas – é quase injustificado não se saber como está a saúde mental dos políticos, que deviam ser os primeiros a mostrar preocupação com o assunto. Está estudado que a avaliação dos políticos acerca da qualidade das suas decisões piora à medida que estão mais tempo a governar.

O tabu só se explica se o serviço público for visto como modo de vida e uma carreira. Claro que o tempo ajuda a formar políticos mais bem preparados, mas isso jamais poderá querer dizer que não há alternativa profissional à vida política.

Devia importar muito saber se um decisor mantém-se no cargo por motivação, capacidade e competência ou se porque não tem mais o que fazer. Compete às lideranças políticas avaliar este modo de estar no serviço público. Em vários países já se advoga a necessidade de avaliação de critérios de habilidade cognitiva para a ocupação de cargos de decisão política. O recurso a psicoterapia e avaliação psicológica dos políticos é outra solução que tem vindo a ganhar ímpeto. O alargamento dos gabinetes de apoio político e técnico aos governantes é outra solução apontada para a delegação de trabalho e apoio à tomada de decisão.

Em suma, tudo isto obriga-nos a repensar o que temos assistido em Portugal. Alguma coisa tem de mudar enquanto a perpetuação dos lugares for vista como sinal de mérito, os recursos necessários para os gabinetes de apoio à tomada de decisão forem contestados e as nomeações motivadas por carreirismo partidário prevalecerem.