Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

Saúde e Bem-estar

As pessoas com menos escolaridade morrem mais com cancro

Sabendo-se que os vários tipos de cancro são encontrados na generalidade da população e que a sua origem é explicada por um misto de comportamentos e de fatores genéticos, seria de esperar que se soubesse o quanto as diferenças sociais condicionam o desfecho fatídico das doenças oncológicas.

As pessoas com menos escolaridade morrem mais com cancro
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1. O retrato

No Dia Mundial do Cancro, várias notícias mapearam a situação em Portugal. Fomos recordados que representa a principal causa de morte prematura (28.000 mortes/ano) e que se espera um aumento da incidência nos próximos anos.

Também que os programas de rastreio existentes orgulham o país (por exemplo, 98% das mulheres dos 50 aos 69 anos foram convidadas a fazer mamografias) e que isso ajuda a explicar o aumento da taxa de sobrevivência dos doentes oncológicos.

No entanto, há necessidade de encontrar novas respostas, tanto porque há variações geográficas que importa esbater, como porque a Covid-19 criou obstáculos ao diagnóstico, encaminhamento dos doentes e rapidez de tratamento. Soube-se que será implementado um novo plano para o aumento dos rastreios dos cancros da próstata, pulmão e gástrico.

Em resumo, antecipar o diagnóstico continua a ser a principal arma contra o desfecho fatídico desta doença (segundo a DGS, a redução da mortalidade estima-se em 30% no cancro da mama, 20% no cancro colorretal e 80% no colo do útero).

2. As explicações

A ciência mostra que a maioria das doenças, senão mesmo todas, interagem com fatores sociais. Por outras palavras, as políticas públicas e os comportamentos individuais – que sabemos estarem dependentes do grau de escolaridade e de outras diferenças socioeconómicas – são suficientemente importantes para condicionar o desfecho das doenças, mesmo as que têm uma comprovação genética.

Esta conclusão não contraria os feitos alcançados na chamada “medicina de precisão”, em que os tratamentos são definidos através da simbiose entre as características do agente patogénico e da pessoa; complementa-a.

Sabendo-se que os vários tipos de cancro são encontrados na generalidade da população e que a sua origem é explicada por um misto de comportamentos e de fatores genéticos, seria de esperar que se soubesse o quanto as diferenças sociais condicionam o desfecho fatídico das doenças oncológicas.

Contudo, esse conhecimento apenas agora foi sistematizado num estudo realizado em 18 países europeus.

3. Como é que as diferenças socioeconómicas impactam na mortalidade oncológica na Europa?

Os dados validam conclusões de estudos anteriores que já apontavam para o aumento da mortalidade por cancro entre as pessoas menos escolarizadas. Os números agora apurados são reveladores: nos homens, 32.2% do total de mortalidade está associada a níveis de escolaridade baixa ou intermédia, enquanto nas mulheres esse valor foi estimado em 15.9%.

Há variações nos vários tipos de cancro. Nos homens, os cancros que mais dependem de fatores socioeconómicos estão associados ao consumo de tabaco: 67,2% da mortalidade por cancro da laringe e 61.8% do cancro da faringe estão associadas a níveis baixos e intermédios de escolaridade. Nas mulheres, o grande destaque vai para o cancro do colo do útero: 50.4% da mortalidade está associada a níveis baixos e intermédios de escolaridade.

Em contraponto, os cancros cuja mortalidade menos depende de fatores socioeconómicos são: pele, leucemia e próstata nos homens; e mama, pele e leucemia nas mulheres. A leitura é que o rastreio e tratamento destes cancros está suficientemente implementado nos vários países, permitindo esbater diferenças socioeconómicas.

4. E em Portugal?

Em Portugal, fica por se saber qual o peso das diferenças socioeconómicas na mortalidade associada a todos os tipos de cancro, a evolução destas diferenças ao longo dos anos, o quanto estas diferenças são ou não partilhadas entre homens e mulheres e nas várias regiões do país.

Portugal não foi incluído neste estudo por razões que se desconhecem. À parte de tudo o resto, o grau de detalhe dos dados utilizados neste estudo pode não existir, considerando o que é publicado pelo Registo Oncológico Nacional.

A crítica à indisponibilidade de dados não é nova e atravessa muitas áreas da saúde. Há situações em que os dados existem mas não são públicos, outras de atraso na recolha e tratamento da informação e outras ainda em que simplesmente não se sabe o que acontece.

Na oncologia, novas iniciativas procuram colmatar estas falhas, como o caso do Registo Europeu de Desigualdades do Cancro. A mensagem é que a articulação entre dados epidemiológicos e sociais, culturais e étnicos deve ser uma reivindicação, pois essa é uma condição necessária para melhores respostas políticas.