Novos rastreios trazem mais esperança para 2024

Isabel Magalhães, presidente da Pulmonale, tem sido uma das vozes mais ativas para a implementação do rastreio do cancro do pulmão
RUI DUARTE SILVA
O anúncio foi feito há cerca de um ano por Manuel Pizarro, ministro da Saúde, ao garantir que em 2023 haveria projetos de rastreio a serem executados para três dos cancros que mais preocupam os especialistas e os portugueses: pulmão, próstata e estômago. A meta europeia é que o programa de novos rastreios esteja em ação até 2025, mas, embora Portugal não seja o único país da União Europeia ainda a preparar a implementação destas metodologias, a expectativa não se cumpriu no tempo anunciado pela tutela.
Não obstante, há um novo dado que traz algum alento e esperança à comunidade médica e à sociedade em geral, visto que em novembro o alargamento dos programas de rastreio oncológico aos três cancros já referidos foi incluído no Orçamento do Estado para 2024 (OE 2024), através de uma proposta de alteração do PS.
“A inclusão dos três novos rastreios no OE 2024 é uma excelente notícia, que eu espero que se concretize”, conta Isabel Magalhães. A presidente da Pulmonale — Associação Portuguesa de Luta contra o Cancro do Pulmão tem vindo, ao longo dos últimos anos, a estabelecer contacto com as autoridades competentes para a implementação do rastreio do cancro do pulmão, sendo que esta é a neoplasia maligna que mais mata em Portugal e no mundo. “Apesar das recomendações da Comissão Europeia a este propósito, apesar do anúncio do ministro sobre o avanço de um projeto-piloto ainda este ano, nada aconteceu”, lembra a especialista, reforçando que o atraso na implementação do rastreio tem um custo “inaceitável” para os cidadãos.
Segundo a mesma proposta, o Governo irá também desenvolver durante o próximo ano as medidas necessárias à melhoria do Registo Oncológico Nacional, um meio fundamental de integração de informação para responder às necessidades da oncologia. Promover a adesão e cobertura dos programas de rastreio já existentes do cancro da mama, cancro do colo do útero e cancro colorretal é outro dos parâmetros incluídos na proposta de alteração.
Neste momento o rastreio já está a “tocar mais à porta das pessoas”, considera José Dinis, diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, dando o exemplo do rastreio do cancro da mama, para o qual as pessoas elegíveis, de norte a sul, estão “a receber a carta em casa” para realizarem o exame, garante o especialista.
Pulmão: rastreio reduz mortalidade em 20%
Para certos cancros, o rastreio é uma arma poderosa de diagnóstico. O cancro do pulmão não foge a esta evidência e os estudos realizados para determinar a eficácia do rastreio mostram que a mortalidade associada a esta neoplasia reduz-se em pelo menos 20%.
“O rastreio para o cancro do pulmão é efetuado através de uma TAC de baixa dose”, explica a presidente da Pulmonale. E quando há suspeita de doença, terão que se efetuar exames complementares prescritos pela equipa médica.
O rastreio está indicado para o grupo de pessoas com maior risco, tendo em conta a idade (dos 50 aos 75 anos) e a elevada carga tabágica em fumadores atuais ou em pessoas que sejam ex-fumadoras há menos de 15 anos. Podem ser ainda incluídas pessoas sujeitas a uma exposição prolongada a determinados agentes cancerígenos ou com determinadas patologias preexistentes. “De referir que o exame de rastreio vai também permitir encontrar achados relativos a outras patologias, quer do foro pulmonar, quer do foro cardíaco”, aponta Isabel Magalhães.
Cancro aumenta nas mulheres
O cancro do pulmão é uma doença em grande parte evitável, já que cerca de 85% dos casos ocorrem em fumadores ou ex-fumadores. “As mulheres começaram a fumar mais tarde, o que se reflete no aumento da incidência do cancro do pulmão”, diz a especialista, lembrando que existe um hiato temporal considerável entre o ato de fumar e o aparecimento da doença.
Há, no entanto, casos de cancro do pulmão que aparecem em não fumadores e que podem ser causados por outros fatores de risco, tais como exposição prolongada a determinadas substâncias (como radão ou amianto), problemas de saúde preexistentes que potenciem o aparecimento desta doença e, por último, mas não menos importante, a poluição ambiental, que se tem intensificado sobretudo nas metrópoles.
Quanto aos principais sintomas, os especialistas destacam a tosse persistente ou com sangue, falta de ar, dor ou desconforto no peito, infeções respiratórias repetidas, rouquidão, cansaço e perda de peso.
Porém, muitos destes indícios são transversais a outras doenças ou correspondem ao agravar de sintomas preexistentes em fumadores, o que leva, por vezes, à desvalorização dos mesmos. Além disso, os sintomas são “muitas vezes leves ou até ausentes na fase inicial da doença”, esclarece Isabel Magalhães, pelo que — devido à iliteracia e à falta de reação perante os primeiros sintomas — “o rastreio populacional assume particular relevo”.
Alerta
Responder depois de rastrear
Os rastreios previstos para 2024 suscitam alguma apreensão por parte de quem está no terreno. Nuno Jacinto, curador do Tenho Cancro. E Depois? e presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, alerta para o facto de não se poder “rastrear pessoas sem se ter uma resposta para lhes dar”. Esta é uma situação que se tem verificado para o cancro colorretal, já que depois de um resultado positivo no exame de sangue oculto nas fezes, os doentes têm que esperar vários meses até conseguirem realizar a colonoscopia que confirme o diagnóstico de cancro. Dado que o tempo é crucial para um melhor prognóstico, o também curador Vítor Neves e presidente da Europacolon, espera que este novo rastreio contra o cancro do estômago se faça “de uma forma mais positiva” do que o rastreio do cólon e do reto. Também o rastreio do cancro da próstata promete impactar positivamente a vida dos portugueses, visto que é o tipo de cancro mais frequente no homem: mais de 6 mil novos casos, por ano.
Diagnósticos
5400
novos casos de cancro do pulmão são diagnosticados, por ano, no país. Há 13 óbitos diários por cada 15 casos diagnosticados, números que espelham a urgência do diagnóstico precoce
80%
de redução da mortalidade é o que o rastreio para o cancro do colo do útero garante. Para o cancro da mama e colorretal, os rastreios reduzem a mortalidade em 30% e 20%, respetivamente
84%
dos portugueses consideram que os rastreios são a melhor forma de prevenir doenças oncológicas, segundo o estudo que a GfK realizou para o Expresso para apurar a perceção da população sobre o cancro
Textos originalmente publicados no Expresso de 29 de dezembro de 2023
TENHO CANCRO. E DEPOIS?
A SIC Notícias e o Expresso lançaram um site — www.tenhocancroedepois.pt — dedicado ao cancro. Ao longo do ano, a plataforma recolheu a opinião de médicos, doentes e especialistas sobre os desafios de uma doença que afeta cada vez mais pessoas. O projeto tem o apoio da Multicare e Novartis, além da colaboração da Liga Portuguesa contra o Cancro e da Sociedade Portuguesa de Oncologia.
29 dezembro 2023
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