Polígrafo SIC Europa

Portugal tem dever de neutralidade por estar na presidência do Conselho da União Europeu?

Os 13 Estados-membros signatários da Carta sobre direitos LGBT consideram que as leis húngaras são discriminatórias.

Portugal tem dever de neutralidade por estar na presidência do Conselho da União Europeu?
Johanna Geron

Uma semana depois de a Hungria ter aprovado um pacote legislativo de medidas que determina o agravamento da pena por pedofilia e restringe o acesso, a menores de 18 anos, de conteúdos relacionados com a homossexualidade ou a mudança de género, 13 Estados-membros juntaram-se numa carta, onde consideram a lei húngara discriminatória para as pessoas LGBT.

A carta foi iniciativa da Bélgica, que reuniu as assinaturas de mais 12 países - Países Baixos, Luxemburgo, França, Alemanha, Irlanda, Espanha, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Estónia, Letónia e Lituânia – que apelam a que Comissão Europeia “utilize todos os instrumentos à sua disposição para garantir o pleno respeito do direito europeu”.

Mas Portugal não assinou o documento. De acordo com a Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, Portugal não assinou porque, como país na presidência do Conselho da União Europeia, tem um dever de neutralidade.

Será assim?

Ao Polígrafo SIC/Europa, Catherine Moury, investigadora em assuntos da União Europeia no Instituto Português de Relações Internacionais, afirma que “sim, a presidência deve agir como um intermediário neutro e honesto e, nesse sentido, deve chegar a uma posição comum entre os restantes Estados-membros, em matérias de negociação legislativa. No entanto, neste caso concreto – direitos das pessoas LGBT – pode-se argumentar (e eu concordo) que não há espaço para uma posição de neutralidade, já que não se trata de uma negociação”.

Miguel Poiares Maduro, especialista em direito da União Europeia e ex ministro-adjunto do Desenvolvimento Regional do Governo de Passos Coelho, esclarece, em declarações ao Polígrafo SIC/Europa, que esta “é uma opção meramente política do Governo português. Não há nenhuma obrigação jurídica que imponha ao Estado que exerce a presidência qualquer posição deste tipo. Os Estados-membros que exercem a presidência permanecem livres, juridicamente, de se pronunciar sobre qualquer tema. Pelo que sei, o Governo português não invocou qualquer obrigação jurídica para justificar esta posição.”

A eurodeputada Lídia Pereira, da delegação do PSD no Parlamento Europeu, afirma que “a alegada neutralidade é uma posição incongruente, quando o mesmo governo, que não quis assinar a carta, hasteou a bandeira arco-íris em São Bento”. E acrescenta que “é incompreensível quando a carta seria assinada pelo Estado português, não pela Presidência. As sanções são tomadas em sede de Conselho, pelo que cabe aos Governos tomarem uma posição mais afirmativa. Por isso a presidência portuguesa foi covarde numa posição de poder e colocou Portugal do lado errado da história”.

Marisa Matias, eurodeputada da delegação do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu, lembra, ao Polígrafo SIC/Europa, que “ao longo destes seis meses houve muitos votos nos quais o Governo português participou. Por isso, invocar uma formalidade burocrática para responder a um problema político só mostra que não faz qualquer sentido a existência de uma norma semelhante. Creio que essa leitura é mais resultado de excesso de zelo do que de dever formal”.

Em declarações ao Polígrafo SIC/Europa, a Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, justifica a decisão: “apesar do dever de neutralidade não ser uma regra inscrita nos tratados, o próprio Conselho da UE salienta este dever quando que as presidências devem ser mediadores íntegros e imparciais de forma a garantir ‘o bom desenrolar dos processos legislativos e a cooperação entre os Estados-membros’”. Afirma, ainda, que “o Governo sempre rejeitou qualquer prática discriminatória. Esta posição sempre foi clara e não é neutral. Portugal já confirmou que irá assinar Carta no dia 1 de julho, findo o exercício da Presidência Portuguesa”.

Em suma é falso que Portugal, como país na presidência do Conselho da União Europeia, tenha um dever de neutralidade, juridicamente imposto.

Loading...

Avaliação Polígrafo SIC Europa: Falso

Veja também:

A União Europeia nem sempre é bem entendida e muitas vezes é alvo de notícias falsas e manipulações.

No ano em que Portugal assume pela quarta vez a presidência da UE, entre 1 de janeiro e 30 de junho, o Polígrafo SIC abre espaço ao fact-checking dedicado aos assuntos europeus e à forma como influenciam os 27 Estados-membros.

"Este projeto foi cofinanciado pela União Europeia no âmbito do programa de subvenções do Parlamento Europeu no domínio da comunicação. O Parlamento Europeu não foi associado à sua preparação e não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores do programa. O Parlamento Europeu não pode, além disso, ser considerado responsável pelos prejuízos, diretos ou indiretos, que a realização do projeto possa causar.”