A notícia do falecimento de Gina Lollobrigida (dia 16, numa clínica de Roma, contava 95 anos) suscitou nos meios de comunicação internacionais uma curiosa ambiguidade. Assim, a actriz que, nas décadas de 1950/60, foi apelidada de "a mais bela mulher do mundo", ora surgia como símbolo perene do cinema clássico italiano, ora era recordada como um ícone do classicismo de Hollywood.
Em boa verdade, creio que não faz sentido classificá-la unilateralmente, de uma maneira ou de outra. E por uma razão que, hoje em dia, talvez seja difícil de compreender para os espectadores que se habituaram a consumir o cinema como uma arte & indústria sem fronteiras. De facto, "La Lollo" (como a consagrou o público do seu país) protagonizou uma condição de estrela, obviamente em ziguezague entre Europa e América, mas numa altura em que as diferenças de produção entre os dois continentes eram muitos mais nítidas — quer em termos artísticos, quer no plano industrial.
Eis três memórias sintéticas que poderão, talvez, ajudar a definir o mapa da sua carreira e também a multiplicidade de registos em que trabalhou:
1 - "As Aventuras de Fanfan la Tulipe" (1952), de Christian-Jaque, é uma coprodução Itália/França que pode simbolizar o modo como a aliança cinematográfica dos dois países se traduziu também nos mais variados encontros das suas maiores estrelas: Gina Lollobrigida contracena, aqui, com Gérard Philipe, por certo o mais lendário actor do cinema francês do período anterior à eclosão da "Nouvelle Vague".
2 - "Beat the Devil" (1953), entre nós estreado como "O Tesouro de África", é uma aventura vibrante, e também um conto moral sobre a ganância humana, exemplar da visão do mundo do seu realizador, John Huston. Para Gina Lollobrigida foi a porta de entrada em Hollywood, para mais contracenando com intérpretes tão especiais como Humphery Bogart e Jennifer Jones.
3 - "Salomão e a Rainha de Sabá" (1959) é um dos títulos mais esquecidos da vaga de épicos de inspiração bíblica que marcaram o grande espectáculo entre finais dos anos 50 e meados da década seguinte [recorde-se a sua imponência visual através do trailer, aqui em baixo] . Com o par Yul Brynner/Gina Lollobrigida, foi a derradeira realização em Hollywood de um mestre que começara ainda no período mudo: King Vidor, autor de clássicos como "A Multidão" (1928), "Duelo ao Sol" (1946) e "A Fúria do Desejo" (1952).